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Carta ao Leitor: Viver bem

É preciso investir em prevenção e no esforço de oferecer aos idosos a melhor vida possível

Por Da Redação Atualizado em 25 out 2024, 12h23 - Publicado em 25 out 2024, 06h00

Nas últimas décadas, o mundo viveu a euforia de uma esperança: a possibilidade de vivermos com alguma facilidade para lá dos 100, em avanço supostamente imparável. Era o resultado de vastos progressos da ciência, da medicina e da tecnologia. Em 1900, a expectativa de vida média era de 31 anos. Em 2000, chegou a 67. Hoje, está na casa dos 73 anos — sempre maior em países ricos como Japão (85) e Singapura (84), e menor nas nações pobres, como Chade (59) e República Centro-Africana (54). No Brasil, segundo o IBGE, uma pessoa nascida agora pode chegar aos 76 anos. O entusiasmo pela busca da eternidade, digamos assim — e apesar dos fossos sociais —, sempre foi alimento da civilização, com tração multiplicada pela extraordinária evolução do conhecimento humano.

Entrevistado por VEJA em 2011, o biólogo britânico Aubrey de Grey, barbudão como Matusalém, porta-voz e evangelista da longevidade, celebrou o passo com uma boutade: “A primeira pessoa a viver até os 1 000 anos já nasceu”. Logo em seguida, o israelense Yuval Harari caminhou em direção semelhante em Homo Deus: uma Breve História do Amanhã, clássico instantâneo. Para ele, os limites da existência seriam progressivamente ampliados. De Harari: “Pegue as fantasias que há milhares de anos pertenciam ao reino da religião — superar a morte ou fundir-se com o universo — e de repente se começa a falar sobre elas de uma perspectiva mais técnica, como algo que se pode alcançar”.

O otimismo — que não deve ser abandonado, ao contrário — sofreu um pequeno baque recentemente, com a divulgação de um cuidadoso estudo demográfico na revista Nature Aging e uma revelação surpreendente: o ritmo de anos suplementares na conta dos indivíduos freou. De 2010 a 2019, o ganho foi de 2,5 anos em grande parte do mundo e de 1,2 ano em países ricos. Na década imediatamente anterior, de 2000 a 2010, o salto foi de 3,7 anos quase globalmente e de 2,3 nas nações privilegiadas. Andamos, portanto, mais devagar, é o que revela a estatística. E convém ir de meados ao fim do século XX, em momento luminoso: de 1960 a 1970, o avanço foi de extraordinários 8,4 anos na média mundial, de mãos dadas com medicamentos, vacinas e saneamento básico ampliado. A interrupção, real e comprovada na ponta do lápis, não pode representar o fim da história, ao contrário. Como mostra rigorosa reportagem desta edição, escrita pelos repórteres Luiz Paulo Souza e Marília Monitchele, a estagnação — porque talvez tenhamos atingido algum limite do edifício científico associado à saúde — pode ser passageira, mas o conhecimento tende ao infinito. E, para que a estrada vá em frente, é preciso investir em prevenção e no esforço de oferecer aos idosos a melhor vida possível. Vale viver bem e não obrigatoriamente mais — o que não significa esquecer a certeza de Aubrey de Grey, a de termos alguém entre nós que verá os anos 3000. Que seja com saúde.

Publicado em VEJA de 25 de outubro de 2024, edição nº 2916

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