Brasileira é 1ª latino-americana a dirigir um dos mais respeitados jardins do mundo
Lúcia Lohmann vai comandar o Missouri Botanical Garden

Os jardins botânicos têm uma longa história, que remontam a civilizações antigas habituadas a cultivar plantas para fins medicinais, ornamentais e econômicos. O primeiro historicamente reconhecido foi criado em Pádua, na Itália, em 1545. Com o tempo, evoluíram para se tornarem centros de pesquisa científica, educação e conservação da diversidade vegetal. Assim como os museus e as bibliotecas, são fundamentais para entender o mundo como o conhecemos. O botânico italiano Stefano Mancuso, figura de relevo no mundo científico, defensor de uma maior apreciação do mundo vegetal e de sua inescapável inteligência, encoraja a ver os herbários não apenas como coleções esteticamente agradáveis, mas como espaços dinâmicos para refletir sobre a natureza e o futuro. Hoje, instituições centenárias como o Jardim Botânico de Nova York, criado no fim do século XIX, e o vistoso Kew Gardens, de Londres, surgido no século XVIII (ali onde o neurologista Oliver Sacks disse ter tido uma epifania ao ver pela primeira vez uma vitória-régia amazônica), são alvos de imenso respeito.
Os jardins pontuam a geopolítica. Um dos mais antigos do planeta, o Botânico do Rio de Janeiro, criado em 1808 pelo príncipe regente português dom João VI para aclimatar espécies vegetais originárias de outras partes do mundo, era palco de poder da metrópole, capaz de fazer vicejar pelas bandas tropicais de cá o que germinava nos lados temperados de lá, na Europa. Agora, em bonita parábola, uma brasileira, Lúcia Lohmann, de 50 anos, atravessou o oceano, rumo ao norte, convidada a cuidar de uma joia da coroa americana, o mais do que centenário Missouri Botanical Garden. Ela é a primeira mulher latino-americana à frente da instituição. Com um acervo de 8 milhões de exemplares vegetais provenientes de todos os continentes e uma equipe de cientistas de 35 países, o espaço cuidado com esmero vai muito além de terreno de lazer para crianças e adultos e contemplação. “Nós temos a responsabilidade de atuar como guardiões da biodiversidade”, disse Lohmann a VEJA.

A cientista brasileira assumiu a presidência do Botanical Garden em janeiro, “depois de uma extensa busca internacional”, conforme anunciou o comunicado oficial de sua nomeação. Sob sua responsabilidade estão a catalogação e preservação de espécies, a formação de novos profissionais e a articulação entre diferentes frentes de pesquisa em defesa da variedade da flora. Para a pesquisadora, a nomeação mata a saudade de um lugar fundamental em sua trajetória acadêmica, em cujas alamedas ela desenvolveu parte de seus estudos. “De certa forma, é como reencontrar um velho conhecido”, diz ela.
Antes de carimbar de vez o passaporte, Lohmann construiu uma carreira de mais de duas décadas como professora na Universidade de São Paulo, onde também se formou em ciências biológicas. Na lida para detalhar espécies supostamente inéditas e iluminar outras já conhecidas, ela viveu aventuras. Em uma das incursões, chegou a quebrar seis costelas ao cair de uma árvore. Na Reserva Ducke, no Amazonas — uma das áreas mais bem catalogadas da floresta —, estimava-se a existência de apenas quinze espécies de ipês. Após um ano de trabalho minucioso, conseguiu ampliar a lista em dez vezes, identificando mais de 150.

O entusiasmo de assumir uma posição inédita ganha contornos ainda mais simbólicos sob a administração de Donald Trump. É simples: o republicano não esconde a ojeriza com o conhecimento e tem apreço por desdenhar dos estudos associados à proteção da biodiversidade. “Apesar do atual contexto, apesar dos entraves políticos, a ciência será sempre instrumento de transformação”, diz ela. Lúcia Lohmann é uma planta rara.
Publicado em VEJA de 14 de fevereiro de 2025, edição nº 2931