As empolgantes descobertas da expedição a uma região isolada do Brasil
Incursão inédita à Serra do Imeri, no norte da Amazônia, encontra novas espécies de plantas e animais e confirma a exuberância da biodiversidade brasileira
Em dezembro de 1831, o britânico Charles Darwin deixou o Porto de Plymouth, na Inglaterra, em uma aventura que marcaria sua carreira e forneceria as bases que o levariam a criar a teoria da evolução, descrita no seminal clássico A Origem das Espécies, publicado em 1859. Na viagem, Darwin encontrou inúmeros espécimes desconhecidos pelos europeus e ficou maravilhado com a diversidade revelada por biomas variados. A partir de suas observações, ele traçou as hipóteses que ajudariam a humanidade a compreender parte da história da vida na Terra.
Quase 200 anos depois, o ímpeto darwiniano resiste. Um grupo de cientistas liderado pelo professor e explorador brasileiro Miguel Trefaut Rodrigues, do Departamento de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), desbravou a Serra do Imeri, uma cadeia isolada de montanhas a 1 900 metros de altitude no norte da Amazônia, desconhecida pelo Exército Brasileiro e até mesmo pelos indígenas ianomâmis que vivem nas cercanias. A região é chuvosa, úmida, de relevo íngreme e sem acesso por terra. A aproximação feita por helicóptero é complicada. O solo lamacento e instável impede que a aeronave encoste no chão, e os pesquisadores desembarcam enquanto ela ainda está no ar. Durante onze dias, em meados de dezembro, a expedição se embrenhou nesse pedaço da mata. As descobertas reveladas são empolgantes.
Os cientistas coletaram 1 300 amostras de plantas, além de exemplares de anfíbios, répteis e mamíferos. Pássaros foram registrados pela primeira vez. Um parasitologista recolheu amostras de sangue para detectar a presença de protozoários. A bem da verdade, a quantidade de espécies disponíveis na região é relativamente diminuta quando comparada a outros lugares, mas tudo ali é novo — daí a legítima empolgação. O isolamento da região contribuiu para a seleção de espécies capazes de sobreviver em um ambiente específico — Darwin, portanto, certamente ficaria entusiasmado com os achados.
Os lagartos chamaram especial atenção. Os profissionais da USP descobriram quatro novas espécies, sendo três endêmicas. Uma delas pode ter parentesco com espécies encontradas anteriormente no Pico da Neblina, o que indica o contato entre as duas áreas no passado distante. Entre os anfíbios, presume-se que cinco novas espécies sejam catalogadas, mas o número pode chegar a oito. A equipe analisa em laboratório o material coletado e deverá ter a real dimensão das descobertas nos próximos meses.
Há bons motivos para justificar uma expedição desse porte para o coração inabitado da floresta. O primeiro, e mais óbvio de todos, é a oportunidade de estudar uma área nunca antes explorada pela ciência e que abriga inúmeras espécies provavelmente só encontradas ali. O segundo é a possibilidade de reconstruir a história biogeográfica da Amazônia e de outros biomas, já que a biologia e a geografia da Serra do Imeri estiveram ligadas a outras regiões, como os Andes e a Mata Atlântica. “Pesquisar as espécies características daquele lugar permite remontar partes de um enorme quebra-cabeça que resultou na diversidade da fauna e flora brasileiras”, diz o cientista Miguel Trefaut Rodrigues, líder do projeto.
Existe outra louvável razão: a conservação ambiental. Ao contrário do que ocorre nas partes baixas da floresta, as temperaturas no topo são mais frias, fazendo com que as espécies encontradas no local estejam ameaçadas pelo aumento constante da temperatura global. É, portanto, imperativo que a ciência absorva o maior número possível de informações sobre a biodiversidade da região. Só assim será possível preservá-la.
Publicado em VEJA de 18 de janeiro de 2023, edição nº 2824