As aventuras do explorador britânico que desapareceu na Floresta Amazônica
A jornada de Percy Fawcett é contada por meio de relatos reunidos em livro pelo filho Brian
Reza a lenda que o produtor George Lucas se inspirou no coronel britânico Percy Fawcett para criar o arqueólogo aventureiro Indiana Jones, protagonista da série de filmes estrelada por Harrison Ford. Lucas, a rigor, nunca citou um personagem específico como inspiração para delinear o atrapalhado e perspicaz Henry Jones.
Ele disse a seu amigo Steven Spielberg, diretor dos quatro primeiros títulos da franquia, ter usado como referência heróis de seriados cinematográficos dos anos 1930 e 1940. Fawcett, contudo, aparece como alusão clara em Indiana Jones e os Sete Véus, romance lançado aqui em 1993, na trilha do sucesso dos longas. No livro, Jones busca pistas deixadas em “misteriosos escritos” do explorador britânico desaparecido na selva amazônica em 1925, enquanto procurava por uma cidade perdida à qual deu o nome de Z. Os relatos da ficção são reais e aparecem em A Expedição Fawcett, organizado por Brian, filho mais novo do militar. O volume, reunião de cartas e diários de dez anos de viagens, foi originalmente lançado em 1953 — e apenas agora chegou ao Brasil, pela Editora Record. É uma relíquia.
A comparação com Indy não é descabida. A partir de 1906, o coronel Fawcett se aventurou pela Amazônia em diversas incursões que cobriram desde as selvas bolivianas até chegar mais ao sul, na caatinga baiana. Patrocinado pela Sociedade Geográfica Real, o intrépido explorador se embrenhou por matas, enfrentou insetos e bichos, conheceu tribos amistosas e outras hostis. Iniciada em 1925, a última expedição reuniu, além do militar britânico, seu filho mais velho, Jack, e um amigo dele, Raleigh Rimell. O trio, mais um séquito de ajudantes locais, estava em busca da tal mítica cidade Z, uma espécie de Shangri-lá dos trópicos descrita em um manuscrito apócrifo encontrado anos antes na Biblioteca Nacional. Fawcett e sua turma jamais voltaram à civilização, sumidos como que por encanto na mata. Antes de desaparecer, escreveram cartas à família que foram preservadas pela mulher e mãe, Nina.
Guiado pelos relatos fantásticos de um viajante do século XVIII, a quem chamou de Francisco Raposo, Fawcett esperava encontrar uma espécie de civilização antiga e avançada, escondida por entre fendas inexploradas nas montanhas da Serra do Roncador, na divisa dos estados de Mato Grosso e Goiás, área de transição da Floresta Amazônica e do cerrado. Em sua descrição do que continha o chamado Manuscrito 512, ele a comparou a Sacsayhuaman, fortaleza inca, hoje em ruínas, localizada 2 quilômetros ao norte de Cusco, no Peru. “Eu provavelmente sou o único que conhece o segredo, e o obtive na dura escola da experiência na floresta, apoiada por cuidadoso exame de todos os registros disponíveis nos arquivos da República, como também por certas outras fontes de informação de maneira alguma fáceis de conseguir”, escreveu o coronel. A crença de que chegaria ao local e sua obsessão por empreender a busca não eram movidas apenas pelo amor à ciência, mas também pela possibilidade de pôr as mãos em tesouros abandonados.
Entre o último contato de Fawcett por escrito e a publicação do relato organizado pelo filho, passaram-se quase três décadas. Nesse intervalo de tempo, muitas outras expedições foram ao local indicado pelo desbravador. A esperança era encontrá-lo. Em vão. Em 1952, uma das turnês, financiada pelos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, levou Brian Fawcett ao Alto Xingu. Em uma lagoa próxima ao Rio Culuene, a suposta ossada do explorador britânico teria sido encontrada anos antes pelo sertanista Orlando Villas-Bôas. Quem indicou o local foi um cacique calapalo, que confessou ter matado o trio de caraíbas a golpes de borduna. Os ossos seriam depois examinados por especialistas em Londres, mas a ciência forense foi direta: não eram de Fawcett. Com as novas tecnologias de DNA, a dúvida poderia ser desfeita. Os herdeiros vivos do coronel, porém, se recusam a levar a investigação adiante. O mistério continua. Talvez só mesmo um Indiana Jones que saltasse das telas e das páginas romanceadas poderia desvendá-lo.
Publicado em VEJA de 7 de junho de 2023, edição nº 2844