A reforma de alta tecnologia no guarda-roupa dos astronautas da Nasa
Com a retomada das missões espaciais para a Lua, a ideia é reformular sistemas que foram projetados no início dos anos 1980
Filmes sobre exploração espacial, especialmente os de Hollywood, cristalizaram um mito em torno dos trajes usados pelos astronautas em suas “caminhadas” no firmamento ou no solo lunar. Em geral, quando o perigo ronda, um dos heróis corre para vestir a sua armadura altamente tecnológica e se aventurar no vazio a fim de salvar a si mesmo e sua tripulação com destreza invejável. Nada poderia ser mais equivocado. Usar essa roupa demanda uma preparação extensa, que conta com a ajuda de toda a equipe disponível (tanto em órbita quanto em terra), envolve checagens de segurança de itens fundamentais e pode durar mais de quatro horas. Além de tudo isso, a mobilidade é muito limitada, o que exige treinamento rigoroso do usuário. Como a maior parte dos sistemas usados hoje em dia foi projetada no início dos anos 1980, a Nasa pretende investir em uma remodelação completa do guarda-roupa de seus exploradores.
A iniciativa tem um propósito que vai além de uma simples reciclagem. É sabido que a agência espacial americana pretende levar novamente astronautas à Lua por meio da missão Artemis, programada para 2025. A ideia é construir uma base na superfície e manter uma estação em órbita lunar. Para agilizar a vida dos exploradores espaciais e dar a eles mais liberdade de movimento, há uma longa lista de recursos necessários a ser modificados ou adicionados às suas roupas. Nos últimos catorze anos, foram investidos 420 milhões de dólares nos trajes espaciais, com resultados pouco promissores. A fim de manter o cronograma em dia, a agência vai recorrer à parceria com a iniciativa privada para que novas propostas surjam.
O que há hoje em dia são dois tipos de traje: os usados nas viagens espaciais e aqueles empregados nas “caminhadas espaciais”. Os primeiros são bem mais simples do que esses últimos, que podem ter até dezesseis camadas, além do macacão de esfriamento, uma vestimenta dotada de pequenos tubos com líquido para regular a temperatura do corpo e evitar formação de suor durante as tarefas externas. Os usados na Estação Espacial Internacional são chamados de unidades de mobilidade extraveicular, ou EMU. Os da missão Artemis receberão o nome de unidades de mobilidade extraveicular de exploração, ou xEMU. Além de incluir novos recursos e avanços tecnológicos, os protótipos permitem que os astronautas realizem tarefas em ambientes espaciais hostis, com temperaturas que podem variar de 120 graus negativos a 120 graus positivos, dependendo da incidência da luz solar. A ideia, com o concurso dos novos modelos, é apresentar propostas para unificar as roupas de viagem e de exploração.
Há duas grandes propostas em disputa. Uma delas recebe o nome de Astro e está sendo desenvolvida por três empresas americanas: Collins Aerospace, ILC Dover e Oceaneering. O projeto envolve o uso de Vectran, fibra sintética feito de polímero de cristal líquido que confere resistência e flexibilidade ao traje de nova geração. Outra concepção, oferecida pela Genesis Engineering Solutions e batizada de espaçonave de uma pessoa, ou SPS, são pequenas naves espaciais equipadas com propulsores e braços robóticos — como sondas submarinas de grandes profundidades —, mais apropriadas às caminhadas espaciais. “O objetivo do traje espacial é existir como uma espaçonave em forma de gente que permite ao ser humano explorar e fazer um trabalho de forma autônoma fora do conforto da espaçonave ou estação espacial”, diz Cathleen Lewis, do Museu Nacional do Ar e do Espaço da Smithsonian Institution. As duas ideias em produção acompanham um imperativo: tornar a vida dos exploradores espaciais mais fácil e segura do que foi para os pioneiros da Apollo, entre 1961 e 1972.
Desconforto sideral
O ápice do Programa Apollo da Nasa, que tinha como objetivo levar a humanidade até a Lua, foi o pouso da missão Apollo 11 no solo lunar em 20 de julho de 1969. Neil Armstrong, que diria a icônica frase “Este é um pequeno passo para o homem. Um salto gigante para a Humanidade”, desceu na superfície do satélite natural com um dos primeiros trajes espaciais desenhados especialmente para a ocasião. Cerca de 30% mais leve do que os atuais, era muito mais rígido, o que permitia pouquíssimos movimentos.
Os astronautas — além de Armstrong, faziam parte da tripulação Buzz Aldrin e Michael Collins, que não desceu — não conseguiam se curvar e pegar uma pedra. Tinham que usar uma ferramenta especial com uma alça e uma garra. Para se movimentar, ele e Aldrin se projetavam para a frente e usavam a ponta dos pés para pular. Esse movimento os fazia parecer dois coelhos desajeitados, saltando e caindo a cada dois ou três passos.
Publicado em VEJA de 11 de maio de 2022, edição nº 2788