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A força do resgate

Entraram em cena diversas tecnologias avançadas e uma tropa israelense. Mas o que mais importa na missão de busca é o corajoso empenho humano

Por André Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 1 fev 2019, 17h22 - Publicado em 1 fev 2019, 07h00

Drones, aparelhos de detecção de calor, equipamentos que captam sinais de celular. Todas essas inovações foram fornecidas para auxiliar no tenso trabalho de resgate das vítimas de Brumadinho. Nenhuma delas, no entanto, superou a mais vigorosa, extraordinária e natural das “tecnologias”: a coragem de militares, bombeiros, cães farejadores e voluntários que atuam na missão. As buscas se deram, e se dão, em meio a um — não há outra forma de descrever — autêntico mar de lama. Apesar de o terreno estender-se por uma área 75% menor que aquela da tragédia que destruiu Mariana em 2015, seu impacto foi ainda mais devastador: houve mais mortos e desaparecidos agora do que há três anos.

A operação de salvamento dos atingidos pelo novo rompimento teve início na própria sexta-feira 25, com a atuação dos bombeiros de Minas Gerais. No sábado começaram a circular pela internet imagens que traduzem o estado de espírito de quem se envolveu no resgate, arris­cando-se em favor da vida alheia. “Estamos trabalhando como se as vítimas fossem nossos pais e mães”, frisou o tenente Pedro Aihara, porta-voz da corporação, ao se referir aos desafios enfrentados. Aihara ainda acrescentou que a angústia de não encontrar os desaparecidos criou a necessidade de acompanhamento psicológico aos que participam das buscas.

“No começo, todos tivemos de enfrentar uma dificuldade inesperada, em acréscimo a tudo de ruim que já ocorria”, conta Eduardo Nunes, defensor nacional de direitos humanos da Defensoria Pública da União, que trabalha na operação. “No primeiro momento, a Vale monopolizou as informações, dificultou o acesso às listas dos funcionários e desaparecidos, e a comunidade atingida não era avisada de nada. As pessoas não sabiam quando começaria a limpeza das áreas nem se ainda corriam algum risco. Por causa disso, houve especulação sobre o interesse da companhia em reduzir seus prejuízos”, diz ele. Nunes afirma que tudo só se tornou mais transparente depois que a comoção pública levou os órgãos de defesa do estado a obrigar a empresa a interromper aqueles procedimentos — e as autoridades controlaram a situação.

No domingo 27, bombeiros e militares já guardavam poucas esperanças de encontrar sobreviventes e estimavam que todos os desaparecidos, que somavam mais de 300, estariam mortos. Foi nesse dia que chegou ao país uma ajuda internacional, humanitária: 136 militares de Israel, incluindo médicos e engenheiros, deslocados pelo governo de seu país para auxiliar na operação e que aqui permaneceram até quinta-feira 31, quando saíram homenageados pelos brasileiros. Com o grupo, desembarcaram 16 toneladas de equipamentos avançados. Um deles, denominado imagiador, é capaz de captar o calor dos corpos. A equipe também trouxe captadores de sinais de celular e detectores de voz. Infelizmente, porém, essas tecnologias não puderam ser tão úteis. “Nenhum dos equipamentos se aplica a este desastre”, disse o tenente-coronel Eduardo Ângelo, comandante da missão, que chegou a ser acusado de corporativismo. Ele ressaltou, entretanto, que os israelenses atuariam como “mão de obra” durante os resgates.

A dificuldade de usar os aparelhos trazidos de Israel tem uma explicação. Segundo os militares brasileiros, seus colegas estrangeiros possuem experiência de socorro em regiões bombardeadas ou que sofreram abalos sísmicos. Nesses casos, os corpos permanecem quentes, os indivíduos costumam continuar com seus pertences e o solo é rígido. Por essa razão, rastreá-los pelo calor ou pelos sinais de celular é uma boa estratégia. Já no rompimento de uma barragem, o lamaçal, que torna o terreno movediço, cobre as vítimas, esfriando o organismo. Além disso, a enxurrada as separa de seus objetos pessoais — em Mariana, corpos foram achados a até 150 quilômetros de distância do epicentro, arrastados pelo fluxo dos detritos.

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O que acabou contando mais na missão em Brumadinho foi o empenho audacioso das pessoas engajadas no socorro às vítimas — helicópteros, binóculos e câmeras acopladas a drones funcionaram como apoio. Vital também foi o auxílio de cães farejadores — treinados para varrer em uma hora o território para o qual seriam necessários oitenta bombeiros — e de recursos simples, como cordas, ganchos e um dispositivo usado para detectar variações na emissão de gás carbônico, o que pode indicar tanto a respiração de alguém quanto a putrefação de um cadáver. Para quem participa de uma operação da dramaticidade da que se viu em Minas talvez não haja melhor definição do que a dada, em bom português, pela tenente israelense Amit Levi, filha de uma brasileira: “A gente anda na lama e procura com as próprias mãos. É difícil saber se alguém sobreviveu. Mas é preciso fazer tudo o que for possível”.

Com reportagem de Jennifer Ann Thomas e Sabrina Brito

Publicado em VEJA de 6 de fevereiro de 2019, edição nº 2620

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