Xadrez político do Rio tem clima de guerra explícita. E todos estão de olho em 2026
A definição para o comando da Assembleia Legislativa vem chacoalhando o cenário do estado
Já faz algum tempo que a política do Rio de Janeiro é um saco de gatos com garras afiadas, prontas para arranhar quem estiver por perto. Desde que a Operação Lava-Jato triturou as oligarquias tradicionais, com seis governadores presos no espaço de quatro anos, o estado vem apresentando as características de um campo de batalha, onde alianças são feitas e desfeitas ao sabor dos oportunismos em decorrência do que a cientista política Mayra Goulart, pesquisadora da UFRJ, classifica como “um vácuo de lideranças estaduais consolidadas”. Agora, passadas as eleições municipais e sua obrigatória acomodação de interesses, o Rio volta a exibir os efeitos da guerra explícita travada entre os poderosos da vez, muitos dos quais nem se falam — todos de olho no pleito de 2026 rumo ao Palácio Guanabara.
O estado de guerra é evidente no plenário da Assembleia Legislativa, onde uma queda de braço pela liderança da Casa se avizinha — em fevereiro, será decidido o novo comando da Alerj, etapa decisiva para futuras bases de apoio. O clima de animosidade se revelou logo após o primeiro turno, quando o atual presidente, Rodrigo Bacellar (União Brasil), lançou uma provocação ao prefeito Eduardo Paes (PSD). “Se quiser falar mal de mim, venha na minha frente. Não fujo de ninguém”, disparou o deputado, em discurso de oito minutos com ofensas ao alcaide, reeleito com 60% dos votos.
A fala foi vista como largada para o duelo pelo governo do estado em dois anos — apesar de se fazerem de desinteressados, Paes e Bacellar são adversários naturais na contenda. Ocupante atual do posto, Cláudio Castro (PL), que anda enfraquecido, é outro que tem sido bombardeado por desafetos e aliados não tão fiéis assim. Já na campanha, estava preparado para ouvir críticas de Paes — e ouviu. O prefeito cobrou-lhe uma “política séria” na segurança pública, candente assunto que embalou mais uma de suas recentes estocadas contra o governador. “Que vergonha estamos vendo no Rio”, disparou Paes, ao citar a bandalha de uma ala da torcida do uruguaio Peñarol, que desembarcou em solo carioca saqueando lojas e ateando fogo contra veículos, sem ser incomodada. “Ele devia é estar discutindo a cidade”, rebateu Castro.
Até por seu correligionário, o então candidato bolsonarista Alexandre Ramagem, a gestão Castro foi tachada de “medíocre”. E ele nem pôde rebater — em telefonema, o ex-presidente Jair Bolsonaro pediu que não fizesse nada que prejudicasse a candidatura do PL. Castro só obedeceu. Amenizou seu amargor a decisão do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, que encerrou duas investigações por corrupção contra ele. No mesmo dia, Castro declarou que vai “governar até o final”, afastando — ao menos por ora — as especulações de que tentaria uma vaga no Congresso, o que lhe daria maior retaguarda jurídica. “Não dá para dizer agora que ele vai sair antes, senão o café gela”, pondera um aliado próximo.
Um componente que pesa na luta ferrenha que se desenrola nos bastidores é o vice de Castro, Thiago Pampolha (MDB), com quem ele mal trocava um “oi” até outro dia e, como todos no palácio bem sabem, quer, também ele, ter o leme do estado em suas mãos no não tão longínquo assim 2026. A atmosfera entre os dois melhorou e, sob essa nova moldura, tudo o que o governador não deseja é que Pampolha se una a Bacellar, outro que vivia colado a Castro, mas, sob as elevadas temperaturas locais, agora faz de tudo para travar os planos do antigo aliado — e o faz com vigor.
No tabuleiro estadual, Bacellar virou um adversário poderoso e bem articulado. Na Assembleia, deixou correr uma CPI montada para investigar irregularidades nas engrenagens do governo de Castro, autorizando a convocação de membros do alto escalão. Após um período de não disfarçada hostilidade, os dois políticos acertaram uma certa trégua, selada pelo presidente nacional do União Brasil, Antonio Rueda, que defende a candidatura de Bacellar para 2026. Se de um lado do ringue a ruidosa comissão parlamentar deu uma amainada, de outro, em troca, abriu-se o caminho para Bacellar alçar um nome de sua confiança ao Tribunal de Contas do Estado, um espaço disputado com unhas e dentes que terá de ser preenchido em maio de 2025.
A definição para o comando da Assembleia Legislativa vem chacoalhando o xadrez fluminense. Paes (que aliás também não cumprimenta o próprio vice) já iniciou um movimento para articular uma chapa alternativa à de Bacellar, enquanto Castro faz o que pode para manter a cabeça fora d’água e deixar o governo sem tantos arranhões. No meio do fogo cruzado, a população, que nada tem a ver com o espírito belicoso de seus líderes, torce para que a vida melhore.
Publicado em VEJA de 1º de novembro de 2024, edição nº 2917