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“Voto não é um cheque em branco”

Hostilizado por bolsonaristas em uma manifestação no Rio, o ex-casseta Marcelo Madureira defende que o presidente tem de ser cobrado pela população

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 29 ago 2019, 17h27

O humorista carioca Marcelo Madureira, 61 anos, foi hostilizado por bolsonaristas radicais no domingo, durante uma passeata de apoio ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, no Rio de Janeiro. A balbúrdia foi tamanha que Madureira teve de sair escoltado pela polícia. Eleitor de Jair Bolsonaro, o comediante defende que o presidente tem de ser criticado quando vai de encontro a uma das plataformas de seu governo – a luta contra a corrupção. Nessa entrevista, Madureira fala sobre o episódio, expõe suas visões sobre humor e política brasileira – e fala ainda de sua atuação como professor do Mobral, durante a ditadura militar:

O senhor foi atacado por apoiadores do presidente Bolsonaro no ato de apoio ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, no Rio. O que aconteceu? O que aconteceu é que meia dúzia de baderneiros decidiu tumultuar minha fala. Votei no Bolsonaro, mas sempre disse que tenho de apontar o que é digno de aplausos, e denunciar o que está errado. Eu comecei então criticando o acordo do Bolsonaro com o Toffoli (presidente do STF) e a fritura do Moro. Os bolsonaristas mais radicais passaram a vaiar e a sacudir o caminhão. As pessoas me aplaudiram, mas aqueles caras são muito raivosos e irresponsáveis. Eu fiquei chateado porque cortaram meu microfone. Achei que poderia ganhar daquelas pessoas na retórica. Saí escoltado pela PM, mas fui aplaudido, queriam tirar foto comigo. Eu saí com o coração engrandecido.

Alguns creem que o clima atual de intolerância e polarização é uma ameaça à democracia. Concorda? Não acredito que no Brasil haja esse tipo de ameaça. No momento, a democracia tem se mostrado resiliente. É da índole do nosso povo valorizar os ideais democráticos. Quem faz esse tipo de baderna são os extremistas, sejam de direita ou de esquerda. Essas pessoas têm de ser neutralizadas. Os nazistas chegaram ao poder por causa do silêncio das pessoas.

O senhor se arrependeu de ter votado em Bolsonaro? Não me arrependo, não. Mas um voto não é um cheque em branco. Ele exige do cidadão um constante acompanhamento para que seu eleito faça o que prometeu. Tanto que eu disse no domingo que votei no Bolsonaro porque achei que ele lutaria contra a corrupção, mas, na hora em que ele faz o jogo para desmontar a Lava Jato, me senti no direito de criticar. Ele ainda tem tempo de consertar as coisas. Política não é religião.

Os petistas o chamavam de reacionário. Os bolsonaristas o xingam de esquerdista. De qual lado o senhor está? Da independência. Estou tanto na lista negra dos petistas quanto dos bolsonaristas, e me orgulho disso. Votei no Bolsonaro por alguns motivos. Primeiro, sou anti-PT. É um partido autoritário, que não possui valores democráticos (eles acham que a democracia é um valor burguês). Segundo, a alternância de poder faz bem para a democracia. Por fim, depois de uma experiência fracassada de esquerda, seria bom passarmos por uma experiência de direita bem-sucedida. Torço para o governo Bolsonaro ser bem-sucedido porque sou brasileiro e acho que a população está precisando muito de um bom governo.

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O senhor acha que existe uma torcida para que o país dê errado? Na verdade, existe uma polarização muito grande por parte de uma minoria que monopoliza o debate político. Este clima de polarização foi iniciado pelo senhor Luís Inácio Lula da Silva e sua visão maniqueísta da realidade. Sinceramente, eu não queria viver numa sociedade em que todas as pessoas pensam igual. Eu gosto muito de conversar com as pessoas que pensam diferente de mim, é uma experiência enriquecedora. O que houve no episódio de domingo foi falta de civilização por parte de uma minoria. E essa minoria tem de ser repudiada pela sociedade. São desordeiros, desocupados, pessoas sem perspectiva política.

Como foi a experiência de ser professor do Mobral durante a ditadura? Fui professor do Mobral e ainda usei o método Paulo Freire! Fui professor na favela Pavão/Pavãozinho por quatro anos e foi uma experiência inesquecível. Eu levava meus alunos a teatro, a concerto, a museus. Durante muito tempo, andava por Ipanema e pessoas me paravam na rua para agradecer o que tinha feito por elas. Não era, de maneira alguma, um porta-voz da ditadura. Eu tinha liberdade. Olha, eu era militante do partido comunista e minhas aulas nunca venderam a ideologia esquerdista. Jamais fazia a cabeça dos outros, só incutia a importância da cultura.

O Casseta & Planeta está fazendo uma turnê nacional. Como é fazer humor nos dias de hoje? O Brasil na pessoa jurídica é o paraíso dos humoristas. Na pessoa física, é um local difícil de se viver: 13 milhões de desempregados, miséria, corrupção, milícia, facção, PCC. Mas, para fazer piada, é bom. Os poderosos do país se prestam muito a isso.

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