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Viagra vira moeda de troca em presídios brasileiros

Comprimidos do medicamento e de seus concorrentes entram de forma clandestina nas penitenciárias e passam a ser usados como dinheiro entre os presos

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h15 - Publicado em 26 jul 2019, 07h00

Como não há circulação de dinheiro, a compra de produtos na cadeia (de pasta de dentes a uma porção de maconha) ou o pagamento de serviços, de visitas íntimas fora das regras à morte de um desafeto, são feitos pelo antigo método do escambo. O valor da mercadoria usada nessas negociações varia conforme a procura. “É igual a bolsa de valores”, compara Fábio Jabá, presidente do Sifuspesp, o sindicato dos funcionários do sistema prisional de São Paulo. “Quanto mais desejado o artigo, maior a cotação.” Nos últimos tempos, um novo produto começou a disputar com os pacotes de cigarros a primazia de ser a principal moeda de troca nas penitenciárias: as pílulas de Viagra. E a cotação do medicamento para disfunção erétil está em alta no mercado carcerário brasileiro.

No ano passado, houve 453 ocorrências relacionadas à tentativa de contrabandear essa droga para dentro dos presídios de São Paulo, o estado que concentra a maior população carcerária do país. Algumas ações abortadas envolviam cargas com mais de 140 comprimidos. Casos desse tipo continuam a ser registrados nos últimos meses. Em 9 de junho, por exemplo, na Penitenciária de Presidente Venceslau, no interior paulista, famosa por abrigar lideranças do Primeiro Comando da Capital (PCC), uma mulher tentou entrar com uma caixa de vistosos caquis. O alimento passou pelo aparelho de scanner, que acusou a existência de 993 pílulas azuis enroladas em camisinhas escondidas dentro das frutas. O problema não é só em São Paulo. No mesmo dia, a 1 100 quilômetros de Presidente Prudente, uma mãe com um bebê no colo foi à Penitenciária Central do Estado em Cuiabá (MT), conhecido reduto do Comando Vermelho (CV), com a intenção de visitar o marido. Depois de os visitantes passarem pelo scanner, os agentes estranharam os espaços vazios na sola dos tênis da criança. Não tiveram dúvida. Ao abrirem o calçado, de­pararam com 128 comprimidos contra disfunção erétil.

Assim como o cigarro, o “azulzinho” é considerado “artigo indispensável” pelos presos. Além de muitos terem problemas de impotência por causa do vício em drogas, sentem-se por vezes desconfortáveis em se relacionar com a parceira nas “jegas” (camas de concreto) com “quieto” (cortinas), conforme o linguajar da cadeia. Mas essa não é a única utilidade do Viagra. Os detentos também costumam usá-lo para potencializar o efeito de drogas e remédios. “O sildenafil, o principal composto do medicamento, é um vasodilatador, que aumenta a circulação sanguínea. Combinado com outros remédios, pode provocar um efeito alucinógeno”, explica o médico toxicologista Anthony Wong.

O Viagra pode ainda ter finalidades mais cruéis. Para assassinarem desafetos sem deixar rastros muito visíveis, as facções criminosas obrigam seus inimigos a beber o chamado “gatorade”, um coquetel feito com a mistura das pílulas azuis, cocaína e água. Ele provoca uma overdose quase instantânea. “Nós pegamos um caso desse tipo no início deste ano. Não havia nenhum vestígio aparente no corpo. Só encontramos no interior da boca restos de cocaína. Provavelmente, foi uma morte causada pelo coquetel”, afirma o perito Emerson Lopes dos Reis, diretor do Instituto Geral de Perícias de Mato Grosso do Sul.

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CARGA ILEGAL - Medicamentos encontrados no Rio: contrabando do Paraguai (POLICIA FEDERAL/Divulgação)
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Em sua esmagadora maioria, as pílulas que chegam aos presídios são trazidas ilegalmente do Paraguai. No país, laboratórios clandestinos produzem cópias do Viagra e de seus principais concorrentes: Pramil, Cialis e Erectalis. O tamanho do mercado negro pode ser dimensionado de forma indireta. Segundo levantamento do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf), o Paraguai importou da China, de 2013 a 2015, cerca de 10 toneladas de sildenafil. “Daria para fabricar quase 200 milhões de comprimidos. É a população brasileira inteira”, diz Luciano Barros, diretor do Idesf.

Não por acaso, tornaram-se relativamente comuns as apreensões de caminhões que trazem esse tipo de carga do país vizinho. Segundo a Receita Federal, somente em Foz do Iguaçu, cidade paranaense próxima à fronteira, foram flagrados 4,5 milhões em medicamentos em 2017. Ao lado de emagrecedores, anabolizantes e abortivos, as pílulas para disfunção erétil estão entre as campeãs de apreen­são. O contrabando é controlado por facções que usam as mesmas rotas para trazer drogas e armas ao país.

 

De forma legal, o Viagra e seus concorrentes só podem chegar às penitenciárias com prescrição médica. “Sem a receita, não entra nem analgésico”, comenta o representante do grupo paulista de agentes de escolta e vigilância penitenciária, Antônio Ramos. Alguns presos alegam que precisam da pílula azul para aliviar a abstinência de drogas. Essa desculpa quase nunca cola. O jeito é tentar driblar as regras. Os parentes flagrados com os medicamentos podem ficar impedidos por até dois anos de fazer visitas, e os detentos que seriam visitados podem receber faltas graves, que impossibilitam posteriormente a progressão de pena. As tentativas de burlar os sistemas de controle são as mais diversas possíveis. Como passam mais despercebidos pelo scanners, os alimentos são os esconderijos preferidos — há registros até de linguiças recheadas com os comprimidos azuis. Considerando-se que a pílula virou moeda de troca nas cadeias, boa parte das tentativas de enganar a fiscalização está tendo êxito, o que explica a alta das ações do Viagra na bolsa de valores dos presídios.

Publicado em VEJA de 31 de julho de 2019, edição nº 2645

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