Veto aos cigarros eletrônicos completa um ano: consumo de jovens é resultado de falta de regras
Com o debate travado, setor apresenta dados que atestam importância da regulamentação na redução de riscos. No Brasil, consumidor segue desprotegido

No dia 24 de abril de 2024, entrou em vigor a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de manter o veto aos cigarros eletrônicos no país. A agência reguladora renovou, mais uma vez, uma decisão tomada há 16 anos: proibir a comercialização e fabricação de produtos de risco reduzido no consumo de nicotina, como cigarros eletrônicos, tabaco aquecido e sachês de nicotina.
Atualmente, mais de 100 países autorizam a comercialização desses produtos, seguindo regras claras e rigorosas para a produção, venda, composição e consumo restrito a maiores de 18 anos. Cada um dos órgãos reguladores dessas nações submeteu os produtos a análises criteriosas e estabeleceu parâmetros detalhados, de forma que os consumidores adultos possam ter acesso a produtos que, comprovadamente, atuam na redução de risco para o consumo de nicotina.
Claudia Woods, nova CEO da BAT Brasil, explica: “passado um ano da manutenção da proibição, o Brasil segue perdendo a oportunidade de oferecer aos adultos fumantes produtos de menor risco no consumo da nicotina. O conceito de redução de riscos é compreendido e aceito em mais de 100 países do mundo, que oferecem alternativas para os consumidores de nicotina, com base em ciência. Aqui, temos uma proibição ineficiente que não protege ninguém, deixa menores de idade expostos e priva o consumidor adulto do direito de escolher um produto com menor risco associado”.
Já para Alessandra Bastos, farmacêutica e ex-diretora da Anvisa, a alternativa adotada pelo regulador brasileiro ignora a existência desses produtos em solo nacional e desrespeita o direito dos consumidores, os expondo a altos riscos para a saúde. “A estratégia de redução de riscos é reconhecida no mundo inteiro, está presente nas cervejas sem álcool, nos refrigerantes sem açúcar. Em hospitais da Inglaterra, por exemplo, os cigarros eletrônicos são oferecidos aos fumantes, por serem considerados uma alternativa menos prejudicial e um instrumento para a cessação do tabagismo”, aponta.
Na falta de normas, o consumidor se vê desprotegido, diz Bastos. “A pessoa não sabe o que está consumindo. Os médicos não sabem o que tratar. Enquanto isso, os produtos ilegais estão disponíveis nas ruas, nas lojas, nos shoppings, no e-commerce”.
De um lado, regras
Desde que os produtos de menor risco no consumo de nicotina surgiram, há duas décadas, a indústria vem sendo desafiada a apresentar evidências a respeito de sua eficácia e segurança. E, dessa maneira, tem colaborado com agências sanitárias, órgãos de saúde e instituições acadêmicas ao redor do mundo para cumprir com esta missão. Como resultado, ao longo dos últimos anos, evidências científicas internacionais e independentes, como o King’s College London e a revisão Cochrane, comprovaram que os cigarros eletrônicos, quando regulamentados, reduzem em até 95% os riscos à saúde em comparação aos convencionais.
A regulamentação permite o uso de vaporizadores, produtos de tabaco aquecido e sachês de nicotina como uma alternativa de risco reduzido, respeitando a premissa de liberdade individual de escolha dos adultos fumantes. Além disso, ao contrário do que acontece no Brasil, a criação de regras ajuda a frear o consumo por jovens. Desta forma, regulamentar gera maior intensificação das campanhas de conscientização e educação da sociedade. Ou seja, o mercado regulado possibilita o acesso a produtos legais com controle fitossanitário, monitoramento e fiscalização que seguem todas as determinações sanitárias do país: advertências na embalagem, descrição de componentes e controle de concentração de nicotina, por exemplo.
“Em países como Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Suécia e Nova Zelândia, os benefícios da regulamentação são visíveis. O consumidor conta com produtos regulados, que seguem regras sanitárias bem definidas”, afirma Marcos Vinicius Teixeira, gerente sênior de Assuntos Científicos e Regulatórios da BAT Brasil.
É o cenário que se vê na Nova Zelândia. A partir do momento em que o conceito de redução de riscos foi aceito e adotado, uma nova regulação para os produtos alternativos passou a incluir limites máximos de nicotina e controle de composição, de forma a garantir a segurança dos dispositivos e evitar o apelo aos jovens. Assim, foi possível facilitar a migração dos adultos fumantes para estas alternativas de produtos, enquanto a prevalência de fumantes caiu de 12,2% em 2018 para 6,8% em 2023.
“Os países que adotam políticas progressistas e soluções inovadoras estão fazendo os maiores avanços na redução dos danos relacionados ao hábito de fumar”, aponta a organização Smoke Free Sweden, em um estudo que analisa o desempenho do país. O trabalho estabelece uma comparação com a África do Sul, que mantém barreiras ao acesso de produtos de risco reduzido e, em resultado, 26% da população fuma todos os dias.

De outro lado, irregularidade
Quando o mercado não é regulamentado, o que se vê são consumidores expostos a riscos e o crime organizado ocupando o espaço das empresas regulares. No caso do Brasil, em que os produtos são 100% ilegais, o consumo de cigarros eletrônicos saltou 600% desde 2018, segundo levantamento de 2023 do Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec).
De fato, o levantamento do Ipec aponta que 2,9 milhões de brasileiros consomem cigarros eletrônicos e mais de 6 milhões já os experimentaram. Na prática, a proibição da Anvisa tem sido sentida como um retrocesso. E o que a indústria propõe é o regramento, o que não quer dizer liberação irrestrita, e sim ordem, parâmetros e regras. “Seguimos o pior dos mundos: proibido no papel, mas liberado na prática. Precisamos mudar esse cenário com urgência”, finaliza Woods.

Atenção: Vaporizadores, produtos de tabaco aquecido e sachês de nicotina são produtos destinados a maiores de 18 anos, assim como o cigarro. Estes produtos não são isentos de riscos. A redução de riscos de vaporizadores e produtos de tabaco aquecido é baseada nas evidências científicas recentes disponíveis, desde que haja a substituição completa do consumo de cigarros tradicionais.