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UTIs aéreas: só para quem tem muito dinheiro

Na corrida pela vida e contra o tempo, ricos fogem do colapso hospitalar de estados como Pará, Amazonas e Maranhão a bordo de aeronaves equipadas

Por João Batista Jr. Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h32 - Publicado em 22 Maio 2020, 06h00
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  • Quando uma tomografia feita na madrugada do dia 19 de março em um hospital particular de Campo Grande constatou que 75% de seus dois pulmões estavam comprometidos, João Antônio de Marco, fazendeiro, empresário do ramo da construção civil e ex-secretário de Obras da capital de Mato Grosso do Sul, não teve alternativa antes que uma piora em seu quadro ocorresse: contratou uma UTI aérea para ser transferido para um hospital de ponta em São Paulo. Depois de mais de sessenta ligações entre empresa de táxi-aéreo (a Brasil Vida), ambulâncias, hospital e médicos, o paciente decolou em um modelo Bombardier Learjet 75 rumo a Congonhas, onde uma ambulância já esperava na pista de pouso para levá-­lo ao Hospital Sírio-Libanês. O paciente, de 67 anos, passou catorze dias internado, alguns deles em estado grave, até receber alta.

    Não foi um caso isolado. No país assolado pela pandemia, o vai e vem de aviões executivos transformados em UTIs aéreas aumentou. Evidentemente, é uma operação de custo alto: não raro, a conta é superior a 100 000 reais, dependendo da distância. Com 46 empresas homologadas pela Anac para fazer esse serviço, o setor viu crescer o número de viagens em 50% desde o início da crise. “Tem dias que fazemos quatro voos de cidades afetadas tendo, em geral, São Paulo como destino”, diz Daniel Henrique Costa Souza, diretor comercial da Brasil Vida, companhia de táxi-aéreo de Goiânia, em Goiás. Seus principais passageiros partem de cidades como Manaus, Belém, São Luís e João Pessoa. Embora as capitais do Norte e Nordeste possuam alguns bons hospitais privados, vários deles registram problemas, como falta de vagas e baixas elevadas entre as equipes médicas por causa de contaminação.

    Sírio libanês
    DESTINO - Sírio: aumento de 40% de pacientes transferidos de outros estados (Kaio Lakaio/VEJA)

    Em decorrência do crescente número de casos, os serviços de UTI aérea não param de aumentar. Apenas na primeira quinzena de maio, a Líder Aviação teve o mesmo número de voos do mês de março. “A expectativa é que a quantidade de viagens em maio seja 50% maior em comparação com abril”, diz Bruna Assumpção, superintendente de manutenção, fretamento e gerenciamento de aeronaves da empresa. Com a demanda tão alta, a Líder configurou três de suas 58 aero­naves com macas e respiradores. Caso seja necessário, os pacientes podem viajar intubados e sedados, com a assistência de médico e enfermeiro. A rota deve evitar correntes de ar para fugir de turbulências.

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    Muitas vezes tirados de dentro de UTIs de hospitais, os passageiros são transportados em cápsulas plásticas para evitar a contaminação dos tripulantes. Como a Covid-19 tem a característica de agravar o quadro do paciente em uma velocidade tremenda, nem sempre o resgate se mostra possível. “Já ocorreu de chegar ao hospital e o paciente não ter resistido, sendo que havíamos sido requisitados menos de uma hora antes”, lembra Diogo Vilella, gerente de marketing da Sete Táxi Aéreo, sediada em Goiás. A empresa realizou quarenta voos de UTI aérea em abril, o dobro do que foi contratado no mesmo período no ano passado. De modo geral, os hospitais da cidade de São Paulo representam o destino de 80% de voos desse tipo. Quase todos os clientes vão para os leitos do Albert Einstein, Oswaldo Cruz e Sírio-­Libanês — esse último registrou aumen­to de 40% de transferências de pacientes de fora de São Paulo em relação ao mesmo período de 2019.

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    CURADO - Marco: embarque ao constatar que 75% dos pulmões estavam tomados pela doença (./Arquivo pessoal)

    O serviço de UTI aérea existe há quarenta anos no Brasil, mas ele nunca foi usado com tamanha intensidade como agora — o que acarretou mudanças drásticas no perfil da clientela. Até março, basicamente, os principais fregueses das empresas eram os planos de saúde e o SUS. Hoje, 80% dos serviços são contratados por pessoas físicas ou, então, por empresas que pagam pela transferência de seus executivos e conselheiros. A ausência significativa de planos que arquem com essas despesas ocorre porque, muitas vezes, o paciente que está entre a vida e a morte não tem tempo para aguardar a aprovação da burocracia, que pode levar semanas e, em alguns casos, só é agilizada com pedidos judiciais. Alguns estados contrataram empresas de táxi-aéreo para transportar passageiros do interior para a capital, como ocorre com a Bahia (levando gente de Ilhéus para Salvador), ou no sentido contrário, caso do Pará (de Belém para Santarém).

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    A fase de negócios anda tão boa para as companhias do setor que elas ensaiam um lobby para que o Ministério da Saúde adote as UTIs aero­mé­di­cas como estratégia de remoção de passageiros entre estados. “O custo é alto, mas caros também são os respiradores, ainda mais com o dólar nas altu­ras, e que muitas vezes chegam com problemas de fábrica”, diz um empresário da área. É difícil que tal demanda seja atendida. Neste momento, infelizmente, com a epidemia atingindo o pico, seriam necessárias muitas aero­naves.

    Publicado em VEJA de 27 de maio de 2020, edição nº 2688

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