Único estado comandado pela esquerda no Sudeste, Espírito Santo soma vitórias contra o crime
A intenção é mostrar como um governo fora do campo da direita pode ser implacável contra a violência

Em 2011, a criminalidade era uma chaga para a população do Espírito Santo. Na época, o estado figurava em segundo lugar no ranking nacional da violência, com uma taxa de 56,4 homicídios por 100 000 habitantes — para comparação, o índice atual da Jamaica, hoje o país mais violento do mundo, é de 49,3. Foi nesse contexto brutal de insegurança que Renato Casagrande (PSB) assumiu pela primeira vez o comando do governo estadual. Já em 2025, em seu terceiro mandato, ele celebra os resultados de uma ampla reforma na segurança que, por meio de investimentos na modernização das polícias, inclusão social e policiamento preventivo, baixou as estatísticas de mortes violentas ao menor patamar em quase três décadas — a taxa atual de homicídios é de 17,62 por 100 000 habitantes. Dessa forma, o único estado do eixo Sul-Sudeste governado pela esquerda passou a ser visto como referência dentro desse espectro ideológico, que ainda hoje se mostra encurralado pelo desafio de combater a bandidagem sem rasgar a cartilha dos direitos humanos.
No cerne das vitórias do Espírito Santo contra o crime está o programa Estado Presente em Defesa da Vida, implementado pelo PSB no primeiro ano de gestão, que tirou as cidades capixabas do topo do ranking da violência e baixou números de homicídios de mais de 2 000 vítimas em 2011 para 852 em 2024. O modelo une, sob o mesmo prisma, a expansão das políticas de educação, esporte e cultura em áreas vulneráveis com investimentos amplos em tecnologia — a polícia conta hoje com 1 500 câmeras com reconhecimento de rostos e placas de veículos nas ruas do estado, além de outras quinhentas nos ônibus da região metropolitana, monitoramento eletrônico de presos no regime semiaberto e armamentos potentes para patrulhar regiões com forte presença do tráfico. O caso capixaba chama a atenção também pelo expressivo aumento da letalidade policial: o número de mortos foi de 33 em 2018 para 78 no ano passado. “Não temos a cultura de que bandido bom é bandido morto”, disse Casagrande a VEJA, respondendo às críticas relativas a esse crescimento (leia a entrevista abaixo). “Nosso método é enfrentar os criminosos com fortalecimento das forças de segurança e inteligência.”
O caso capixaba contrasta com a notória dificuldade da esquerda no enfrentamento à violência. Um dos piores exemplos vem da Bahia. Governado há quase duas décadas pelo PT, o estado lidera o ranking de homicídios, com 4 197 vítimas em 2024, e de letalidade policial, somando 1 556 mortes no mesmo ano. Para especialistas, as políticas públicas devem priorizar a inteligência nas investigações, operações direcionadas às lideranças do crime organizado e o sufocamento financeiro das quadrilhas. “O desafio da esquerda é não cair no discurso populista de que a resposta principal é matar o bandido. Os avanços no Espírito Santo não se devem à letalidade policial, e é preciso mostrar que há alternativas que funcionam”, avalia Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.

A dificuldade da esquerda contrasta com a facilidade com que a direita navega nessa área, apoiada no discurso do enfrentamento. A movimentação em torno do tema, no entanto, é cada vez mais plural. Exemplo disso são as visitas a El Salvador, país que virou uma referência de tratamento rigoroso a criminosos presos, de dois políticos com pretensões eleitorais, mas de perfis distintos: o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, e o prefeito do Rio, Eduardo Paes. “É um país reconhecido como violador de direitos humanos, mas que oferece soluções eleitoreiras fáceis para a direita, enquanto a esquerda vive à deriva de programas sociais que só conseguem demonstrar resultados no longo prazo”, avalia José Álvaro Moisés, cientista político da USP. Principal preocupação dos brasileiros, a crise de segurança promete estar no centro das campanhas de 2026. Por isso, a linha-dura capixaba é vista hoje como exemplo de como a esquerda pode ter argumentos para tentar equilibrar o jogo com a direita nesse campo.
“Bandido precisa pagar pelo crime”
Governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB) diz que políticos do campo progressista não podem ter “preconceito” com a defesa da punição dura a criminosos violentos.
Quais são as dificuldades da esquerda no combate à criminalidade? Os líderes progressistas precisam ter clareza sobre aquilo que é fundamental: a vida. É importante respeitar os direitos humanos de quem comete o crime, mas também os da vítima. Passar a mão na cabeça do autor é incentivar a impunidade. Eu, por exemplo, defendo o fim da progressão de pena para preso por homicídio, porque quem tira a vida de alguém precisa pagar por isso.
Em paralelo à redução de crimes, o Espírito Santo vive uma alta da letalidade policial. Não é contraditório com a defesa dos direitos humanos, tão cara à esquerda? Não há contradição. Estamos com uma taxa de mortes pela polícia abaixo da média nacional. O Ministério Público e a Corregedoria acompanham de perto as abordagens, e todo policial sabe que estamos atentos. Se há um enfrentamento, existe a possibilidade de morte, mas o nosso interesse é manter o bandido vivo, para que ele pague pelo que fez.
A segurança será tema central nas eleições de 2026. Isso pode ser ruim para a esquerda? Temos que mudar a falsa imagem de que progressistas não se preocupam com segurança. Independentemente da posição ideológica, tratar a população com decência exige punir criminosos. Precisamos ter propostas para isso.
Publicado em VEJA de 20 de junho de 2025, edição nº 2949
O que diz o governo da Bahia
Após a publicação desta reportagem, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) informou que as mortes violentas estão em queda no estado nos últimos anos. Leia abaixo, na íntegra, o comunicado enviado pelo governo baiano a VEJA:
“A Secretaria da Segurança Pública ressalta que a intensificação das ações preventivas e de inteligência contra as facções resultaram na redução de 9% das mortes violentas, na Bahia, no período de janeiro a junho de 2025, na comparação com o mesmo período do ano anterior.
Acrescenta ainda que nos últimos dois anos os casos de homicídio, latrocínio e lesão dolosa seguida de morte apresentaram diminuição de 6% (2023) e 8,2% (2024), representando os menos índices dos últimos 14 anos no estado.
Destaca também que o Mapa da Segurança Pública, estudo recente realizado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, enfatizou a queda de 20% dos homicídios na Bahia, na comparação entre os anos de 2024 e 2020.
Por fim, a SSP salienta que as ações do Bahia Pela Paz, voltadas especificamente para os jovens, os investimentos na contratação de 6 mil policiais e bombeiros, além da aquisição de equipamentos de inteligência permitirão que a Bahia continue reduzindo de maneira constante os índices criminais.”