Uma ideia de país
O segredo da Abril talvez seja provocar nas pessoas o desejo constante de virar a próxima página, de ouvir mais uma história, de perseguir um sonho possível

Na infância, eu esperava ansiosamente pela última página do gibi do Pato Donald. Era lá que, depois de muitas aventuras e descobertas, entre risos e espanto, vinham os quadrinhos finais das histórias que animavam minhas tardes livres e os fins de semana mágicos. A trama se encerrava, mas deixava no ar uma vontade de continuar, de saber mais. Em um canto do papel, ao lado do desenho, ávido por mais informação, gostava de ler o expediente da empresa, em letras miúdas, com os nomes de quem produzia, distribuía, vendia e comercializava aquela obra. Lendo a lista de profissionais, ainda menino, eu pensava: “Deve ser incrível trabalhar numa empresa assim”.
Aquela companhia era a Editora Abril. Como tantos brasileiros de minha geração, de infância nos anos 1970 e adolescência nos 1990, posso dizer que devo um pedaço da minha formação à frondosa árvore. Comecei com quadrinhos. Em seguida, veio a Placar, comprada com esforço, semanalmente, às vezes escondida entre o troco do pão e a vontade de sonhar com o futebol. Na minha adolescência, não havia dinheiro para enciclopédias caras como a Barsa ou a Britannica, mas havia a Abril — com suas coleções sobre Grandes Personagens da História Universal, Mitologia Grega e os inesquecíveis volumes de Os Pensadores. Foi por meio dessas páginas que conheci Aristóteles e Platão, Napoleão e Joana d’Arc, Ulisses e Prometeu. Era conhecimento acessível, bem escrito, visualmente poderoso. Ali o mundo se abria para mim.
Anos depois — de permanente amor pelo saber cultivado na visita às bancas ou por meio das publicações que conseguia assinar —, quis o destino que eu entrasse na Abril após ter feito o prestigiado Curso Abril de Jornalismo, destinado a jovens recém-saídos da faculdade. Aqui aprendi a ser um cidadão, um trabalhador dedicado, um pai de família. Passei por cada etapa da vida profissional como quem sobe os degraus de uma catedral que começou a ser construída na infância. De repórter a editor. De editor a diretor de redação de VEJA. E, mais recentemente, CEO da empresa.
A Abril completa agora 75 anos. E, ao olhar para a longa e vitoriosa trajetória, percebo que a missão original não mudou. Continuamos comprometidos em participar da vida dos brasileiros com o que temos de melhor: informação qualificada, análises aprofundadas, paixão por educar e iluminar. Continuamos a defender a livre-iniciativa, as liberdades individuais e o estado democrático de direito — valores fundamentais e irrecorríveis, que nem sempre foram respeitados por quem chegou ao poder no Brasil. Somos uma editora, sim, e temos muito orgulho disso. Mas também somos um canal de TV, somos dezenas de aplicativos, de sites e eventos. Somos, acima de tudo, uma ideia de país, de sociedade que acredita no avanço atrelado à educação, na diversidade de pensamento, na confiança de que é possível crescer, aprender, evoluir e transformar.
Aquela sensação de “quero mais”, que sentia ao chegar ao último quadrinho, nunca me abandonou. E talvez seja esse o segredo da Abril: provocar nas pessoas o desejo constante de virar a próxima página, de ouvir mais uma história, de perseguir um sonho possível. Que venham outros 75 anos.
Mauricio Lima é CEO da Editora Abril
Publicado em VEJA de 27 de junho de 2025, edição especial nº 2950