Tragédia do cão Joca reacende debate sobre transporte de pets no Brasil
A boa nova: um projeto de lei, já apelidado de Lei Joca, tramita em regime de urgência e busca melhorar a situação
Houve genuína comoção. Em 28 de abril, aeroportos das principais capitais brasileiras foram tomados por protestos contra a morte de um cachorro de estimação extraviado pela companhia aérea por meio da qual seu tutor viajava. Em São Paulo, Rio, Brasília, Belo Horizonte e Salvador, donos de animais, ativistas e políticos se uniram para pedir justiça e cobrar mais segurança no transporte dos bichos em voos e outros deslocamentos.
A irritação era justificada. No dia 22, o golden retriever Joca foi encontrado morto por seu dono, João Fantazzini, no canil da Gol Linhas Aéreas, no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. O animal, que tinha 5 anos de idade, deveria viajar de São Paulo para Sinop, em Mato Grosso. No entanto, devido a um erro da companhia, o bicho foi enviado para Fortaleza, no Ceará, onde permaneceu por várias horas, sem água ou comida, e exposto ao calor. Até ser mandado de volta para o estado de São Paulo.
Depois da tragédia, a Gol admitiu a falha e afirmou estar “profundamente abalada” com o ocorrido. Além disso, suspendeu o transporte de pets por um mês, enquanto apura o caso. Disse já ter deflagrado medidas para evitar que o episódio se repita. Infelizmente, calamidades como essa não são isoladas, nem circunscritas a apenas uma empresa aérea. Devem-se, antes de tudo, ao aumento do vaivém dos animais de estimação em travessias nacionais e internacionais.
Os números são contundentes. Em 2023, a Azul levou cerca de 53 000 pets em suas cabines, um aumento de 16% em relação ao ano anterior. A GolLog, serviço de cargas da Gol, carregou mais de 5 600 animais em seus porões, e aproximadamente 57 000 nas cabines — salto de 21% ante os doze meses anteriores. Nesse cenário, a eficácia das portarias nacionais que regulam esses serviços está sendo posta em cheque, por ser frágil.
No Brasil, a única exigência evidente para transporte de fauna é o Certificado Veterinário Internacional (CVI), atestando que o animal não teve nenhuma doença contagiosa nos quarenta dias anteriores à viagem. Em alguns traslados é necessário apresentar o Certificado Zoossanitário Internacional (CZI), expedido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Anualmente são emitidos mais de 10 000 CVIs e a quantidade aumenta expressivamente em época de férias.
Em geral, as companhias internacionais aderem às regras dos países em que operam e às orientações da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA). A IATA desenvolveu a Live Animals Regulations (LAR), conjunto de regras e diretrizes para o transporte seguro de animais por via aérea. “Sem uma regulamentação federal, a situação tende a ficar mais difícil e o animal pode ficar sem a devida assistência”, diz Claudia Nakano, advogada especializada em saúde animal.
Os protocolos da IATA definem, por exemplo, que as caixas de transporte de cães e gatos devem ser feitas de material firme, como fibra de vidro ou madeira, ter bons sistemas de ventilação e tamanho suficiente para que o bicho consiga ficar de pé e também possa dar um giro em torno de seu próprio eixo. “Como no Brasil não há um órgão regulador para esse tipo de serviço, acabam surgindo muitas deficiências no processo de transporte”, afirma Marcos Zamai, sócio da Zoommpet, especializada em transporte de animais de estimação.
O documento da IATA é utilizado por muitas companhias aéreas em todo o mundo, mas nenhuma empresa brasileira ainda tem esse selo. Aqui, as aéreas são livres para definir suas regras de transporte para animais. A boa nova: um projeto de lei, já apelidado de Lei Joca, tramita em regime de urgência e busca sanar de vez a lacuna. Ele prevê o transporte de animais exclusivamente na cabine, serviço de rastreamento durante o voo e médico veterinário nos aeroportos. “Com essas medidas, acreditamos que temos uma boa resposta para evitar novos casos”, defende o relator do PL, o deputado federal Fred Costa (PRD-MG). Se a morte de Joca não foi a primeira, que ao menos seja a última.
Publicado em VEJA de 3 de maio de 2024, edição nº 2891