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Trabalho ‘degradante’: até falta de saboneteiras gera ações

Governo apontou para a subjetividade nas autuações para justificar a edição de portaria que muda legislação sobre combate ao trabalho escravo

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 23 out 2017, 17h36 - Publicado em 19 out 2017, 21h16

Em 2011, uma obra em Americana (SP) foi alvo de inspeção de fiscais do Ministério Público do Trabalho para averiguar as condições oferecidas aos funcionários do local. O dono do empreendimento acabou surpreendido com um auto de infração por faltarem, nas proximidades dos chuveiros, suportes de sabonete e cabide para toalhas. Na peça, os inspetores alegaram que a ausência desses itens prejudicaria a higiene e o conforto de mais de 180 trabalhadores. “Constataram-se condições degradantes”, atestou a ação.

O caso é um dos exemplos usados pelo Ministério do Trabalho para justificar a edição da portaria, na última sexta-feira, que estabelece parâmetros mais definidos para a tipificação do trabalho forçado, da jornada exaustiva e de condições análogas à de escravo.

O texto prevê, por exemplo, que condições degradantes são aquelas que são consubstanciadas “no cerceamento da liberdade de ir e vir, seja por meios morais ou físicos, e que impliquem na privação da sua dignidade” – o que, nesse caso, não se enquadraria a ausência de utensílios de banho. Outro ponto da portaria prevê que a divulgação da lista de pessoas físicas ou jurídicas autuadas pela fiscalização dependerá de determinação expressa do ministério.

Entre os defensores da medida, predomina o entendimento de que os fiscais, em alguns casos, acabam agindo de forma subjetiva e, por vezes, até ideológica. Críticos à nova legislação, entre eles o Ministério Público, sustentam que a portaria dificulta a punição ao trabalho escravo e que ela, nas palavras da procuradora-geral Raquel Dodge, representa um retrocesso à garantia constitucional de proteção à dignidade da pessoa humana.

Outros casos

Um outro exemplo usado para amparar a necessidade de mudanças nas autuações aconteceu por falta de sinalização ao redor de extintores de incêndio. Mais precisamente pela ausência de “um círculo vermelho ou uma seta larga, vermelha, com bordas amarelas” para chamar atenção para os equipamentos. “A infração foi comprovada ao verificar em diversos setores da obra e inclusive no setor da administração e almoxarifado a existência de extintores manuais sem a sinalização estabelecida pela norma legal, infração que dificulta a identificação da localização dos extintores”. Com isso, ficaram constatadas condições degradantes e 63 trabalhadores foram “resgatados”, conforme consta na notificação.

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Houve ainda a situação de falta de escada e protetores na cama superior de beliches. “Lá em casa eu tenho beliche e não há escadinha porque meus filhos não querem usar”, ironiza o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira. “Nós precisamos combater essa bandidagem [o trabalho escravo]. Só que é necessário ter bom senso”. “O que o governo quer é um resultado prático. O grande desafio é combater a hipocrisia. De resultado efetivo, hoje, não existe nada para combater o trabalho escravo”, adiciona o ministro.

A súbita preocupação em combater o trabalho escravo e aclarar a legislação trabalhista surge em um momento em que o governo está nas cordas: na véspera da votação da segunda votação contra o presidente Michel Temer (PMDB).

A bancada ruralista, a mais volumosa e influente da Câmara, vinha pressionando para que o governo editasse a medida. O grupo reúne mais de 200 deputados – número maior que o necessário para evitar que seja instaurada investigação por organização criminosa e obstrução da Justiça contra Temer. Em maio, um projeto do presidente dessa frente parlamentar, o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), defendia que trabalhadores pudessem ser retribuídos com alimentação e moradia – o que acabaria com a necessidade de pagamento de salário. A medida foi bombardeada e o congressista recuou. Ele promete retomar a tramitação da matéria ainda neste ano.

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