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Tortura fazia parte de ‘política de Estado’, diz advogado sobre AI-5

Em entrevista, ex-ministro e ex-presidente da Comissão da Verdade José Carlos Dias defende revisão da Anistia e vê eleição de Bolsonaro como 'desesperadora'

Por João Pedroso de Campos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Leonardo Lellis Atualizado em 13 dez 2018, 21h48 - Publicado em 13 dez 2018, 19h00

No dia em que se completam 50 anos da promulgação do Ato Institucional nº 5, o AI-5, que recrudesceu a repressão pela ditadura militar (1964-1985), o advogado José Carlos Dias, 79 anos, conta que, enquanto integrante e presidente da Comissão Nacional da Verdade (CNV), confirmou sua percepção como um dos mais atuantes defensores de presos e perseguidos políticos do regime dos generais: “Havia uma estrutura de poder, que partia do presidente da República, de extermínio, de tortura, matando pessoas, isso tudo fazia parte de uma política de Estado”.

Ex-ministro da Justiça no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Dias defende, em entrevista a VEJA, uma revisão da Lei da Anistia, que perdoou crimes de militares e guerrilheiros de esquerda durante a ditadura, e diz temer medidas autoritárias do presidente eleito Jair Bolsonaro, cuja eleição ele classifica como “desesperadora”.

O senhor tinha larga experiência como defensor de presos políticos da ditadura. Algo o surpreendeu em relação ao AI-5 durante as apurações da Comissão Nacional da Verdade? A Comissão Nacional da Verdade veio a confirmar tudo aquilo que víamos no dia a dia de nossa atuação como advogados de presos políticos após o AI-5. Tínhamos contato com tortura, clientes mortos, então foi a confirmação daquilo que já sabia pessoalmente, mas, mesmo tendo vivido aquele período de forma tão intensa, até com prisões, senti com muita força aquilo que apuramos na comissão. Percebemos que realmente havia uma estrutura de poder, que partia do presidente da República, de extermínio, de tortura, matando pessoas, isso tudo fazia parte de uma política de Estado.

O AI-5 aumentou o poder da ditadura militar e rebaixou direitos individuais. O que aprendemos como país de 1968 para cá? Aprendemos o terrível da ditadura, mas não sei até que ponto isso se consolidou em uma compreensão, porque o resultado das eleições é desesperador. O Brasil vive, nesse instante, um momento muito perigoso com a eleição de Jair Bolsonaro. Temo que muitas conquistas que conseguimos ao restabelecer a democracia possam ser comprometidas daqui para frente.

O que vê de “desesperador” em Bolsonaro? Ele sustenta teses próprias da ditadura, elogiou o coronel Brilhante Ustra como herói, e Ustra foi o maior torturador da ditadura. Isso me causa uma estranheza muito grande.

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O senhor teme a apresentação de medidas autoritárias e antidemocráticas como as do AI-5 por meio de leis? O AI-5 foi um golpe dentro do golpe, acabou com habeas corpus, fechou Congresso, houve cassações, então, é claro, nada é comparável, mas corremos o risco de afundarmos nesse atoleiro que representa as posições do Bolsonaro. Vejo que a imprensa pode ser o setor que mais vai sofrer no governo Bolsonaro. Ele quer comunicação através de redes sociais, está absolutamente ralando a imprensa, isso é muito sério. Tem também a questão do armamento, que foi uma conquista. Ele está querendo voltar a autorizar por lei o uso de arma. Tenho muito receio de medidas assim. A questão do Meio Ambiente também, levando a um regresso do Brasil no caminho que estava trilhando, em medidas como o Acordo de Paris.

Bolsonaro, um capitão da reserva, venceu a eleição sem disfarçar sua simpatia pelas Forças Armadas e acaba de nomear três generais e um almirante ao ministério. Como o senhor observa a volta de militares ao centro do poder? Vê alguma agitação nas Forças? Eu acho que os militares compreendem que não podem pretender usurpar a vontade do povo em relação às pessoas que elegeu. Não acredito que a maioria dos militares queira dar um golpe.

A Argentina acaba de condenar ex-executivos da Ford que colaboraram com a ditadura no país e militares argentinos já haviam sido julgados por crimes. Qual sua opinião sobre a Lei da Anistia no Brasil, que atingiu também militares? Por decisão do Supremo, a lei foi interpretada de modo a atingir os dois lados. Acho que ela deveria ser revista, uma posição que a Comissão da Verdade assumiu, mas não acho que isso vá acontecer.

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Em que termos a Lei da Anistia deveria ser revista? Ela deveria abranger apenas aqueles que se opuseram ao regime, e não aqueles que cometeram crimes como agentes de Estado.

O senhor foi preso em 1980 pela ditadura na mesma ocasião em que o ex-presidente Lula foi detido. Como avalia a prisão dele na Operação Lava Jato? Não conheço o processo do começo ao fim, mas entendo que ele não deveria estar preso. Defendo a posição de que tem que se esgotar todas as instâncias, e ele está condenado em segunda instância. Essa decisão deveria ser submetida ao Supremo Tribunal Federal e, lá, o Supremo deveria decidir de forma absolutamente completa se há essa possibilidade de prisão ou não.

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