‘Sou a esposa dele e ponto’, diz Lu Alckmin, longe de intrigas políticas
Sem se envolver em disputas de poder, a segunda-dama se dedica a projetos sociais na periferia de Brasília — e a acompanhar o marido
As roupas escolhidas pela primeira-dama e pela segunda-dama para a solenidade de posse do presidente Lula e do vice Geraldo Alckmin já mostravam, desde o primeiro dia, estilos distintos entre as duas. As diferenças ficaram evidentes no governo. Janja tem gabinete no Palácio do Planalto, participa de reuniões oficiais, dá palpites em decisões, já provocou a demissão de assessores, milita nas redes sociais, defende causas e, sempre que pode, deixa claro o seu papel de protagonista — desenvoltura que, não raro, é alvo de críticas prudentemente silenciosas por parte dos próprios petistas e aliados. Lu Alckmin, a segunda-dama, é o oposto disso. Ela não tem gabinete na Esplanada, vai ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, onde o marido também ocupa o cargo de ministro, apenas quando é convidada a participar de alguma solenidade oficial, mantém distância regulamentar dos holofotes e raramente aparece em público.
Ao contrário da maioria das autoridades, a segunda-dama nunca gostou de chamar atenção. Discreta, ela tem dividido seu tempo entre o Palácio do Jaburu, a residência da Vice-Presidência, e o trabalho social que realiza em comunidades carentes do Distrito Federal. Entrevistas? Pode-se contar nos dedos de uma das mãos as que ela já concedeu, e, quando acontecem, Dona Lu, de maneira educada, logo adverte que não gosta de falar sobre política. “Sempre tive essa postura”, desconversa. Algo parece ter mudado. Na semana passada, VEJA acompanhou a segunda-dama em uma visita ao Sol Nascente, a maior favela do país, localizada na periferia da Capital. No local, funciona uma unidade do Padaria Artesanal, projeto que ela coordena em parceria com a iniciativa privada e com a Igreja Católica para formar panificadores. Não havia fotógrafos, faixas, as tradicionais claques nem comboio de carros oficiais. Tudo, como de costume, muito discreto.
Dona Lu chegou ao Sol Nascente no início da tarde. A reportagem foi avisada com antecedência sobre o horário e o local da visita. “Vocês estão sentindo o cheirinho de pão?”, perguntou ela, ao ingressar no centro comunitário. Na sequência, inspecionou os equipamentos, experimentou pães, conversou com os monitores, falou sobre a importância do projeto e, por fim, posou com os alunos e a equipe — fotos que mais tarde serão postadas numa rede social, onde ela tem 135 000 seguidores. Eram 50 000 antes da posse. A segunda-dama conta que sua meta é levar o Padaria Artesanal a todos os estados. Instada a falar sobre esse tema, ela não se esquiva: “Alguns estados já se interessaram. Conversei com a primeira-dama do Ceará, que vai mandar três pessoas para receber formação aqui. Mas quero lembrar que isso não é coisa só de primeira-dama, nem só de católicos”.
A visita durou aproximadamente duas horas. Sempre sorridente, dona Lu começa então a se despedir da comunidade. Momento da abordagem, conforme previamente combinado. Atenciosa, ela logo faz a advertência de praxe. Aos poucos, porém, vai se soltando. “Quero deixar claro que eu nunca fiz esse trabalho social pelo Geraldo, mas foi ele quem me deu essa oportunidade, desde que assumiu pela primeira vez o governo de São Paulo”, disse. Indagada se isso não seria uma forma de fazer política, ela emenda: “É lógico que sou a esposa dele, as pessoas sabem disso. Mas nunca fui funcionária de governo ou falei em política”. Lu Alckmin é filiada ao PSB, mas ressalta que não participa de qualquer atividade partidária. “A partir do momento em que eu me vincular a um partido, ou alguma coisa assim, as pessoas não irão me ajudar. Sou filiada apenas para acompanhar meu marido, mas jamais serei candidata a nada”, afirma. Apesar das tentativas, é o máximo que se consegue arrancar dela nessa seara.
Falar da rotina em Brasília também não é problema. Aos 72 anos, a segunda-dama acorda cedo, caminha 5 quilômetros em meio aos jardins do Palácio do Jaburu, toma café da manhã com o marido e, depois, ambos seguem separados para cumprir as respectivas agendas. No geral, ela se dedica a visitar seu projeto social, as igrejas parceiras e, vez por outra, concede audiências. Nas horas vagas, diz, cuida de uma horta e tem acompanhado o crescimento de oito emas recém-nascidas na residência oficial. Nos fins de semana, recebe a visita dos netos e cozinha para eles — “macarronada”, o prato predileto da família. Dona Lu conta que convenceu o marido a almoçar em casa todos os dias — uma vitória, segundo ela. Perguntada sobre o papel que considera ideal para uma primeira-dama, pondera que não existe um modelo: “Cada uma tem um perfil, um jeito e uma maneira de fazer o seu trabalho. Eu tive a oportunidade dada pelo Geraldo de escolher a parte social”. Seria uma crítica, mesmo que indireta, a alguém? Ela garante que não. Reverência absoluta, porém, só mesmo ao marido (leia a entrevista).
“Sou a esposa dele e ponto”
Qual é o papel de uma primeira-dama? Cada uma tem um perfil, um jeito e uma maneira de fazer o seu trabalho. Eu tive a oportunidade dada pelo Geraldo de escolher a parte social. Ajudar as pessoas é um exemplo de família que vem desde a minha infância. Meus pais tiveram onze filhos e pegaram um para criar. Mesmo com doze filhos, o meu pai e a minha mãe arrumavam tempo para cuidar das pessoas carentes. Sempre quis dar continuidade a isso. O sonho da minha vida se realizou quando casei com o Geraldo.
Por que a senhora se recusa a falar ou comentar algo em relação à política? Quero deixar claro que eu nunca fiz esse trabalho social pelo Geraldo, mas foi ele quem me deu essa oportunidade, desde que assumiu pela primeira vez o governo de São Paulo. As pessoas sabem que sou a esposa dele. Mas nunca fui funcionária de governo ou falei em política. Sempre tive essa postura. Sou mulher dele, amo ele e faço o trabalho social porque gosto. Estou fazendo o que aprendi com meus pais. Viemos ao mundo para servir.
Às vezes, não falar de política é uma maneira de fazer política. Não tenho nenhuma pretensão nessa área. Sou a esposa dele e ponto. Meu foco é o trabalho social. Quero levar o Padaria Artesanal para o Brasil inteiro. Essa é minha marca. Eu sei que tem muita gente com fome. Quero ensinar as pessoas a fazer pães, alimentar a população. São pães nutritivos, fáceis de fazer, de baixo custo, sem dinheiro público e ainda geram renda para as pessoas.
Mas a senhora não é filiada ao PSB? Não sou política e jamais vou me candidatar a nada. Nunca, nem com meu marido. Eu trabalho com a sociedade civil. Consegui os kits para que as comunidades possam fazer as suas padarias e ensinar mais pessoas. A partir do momento em que eu me vincular a um partido, as pessoas não irão me ajudar. Sou filiada ao partido apenas para acompanhar meu marido, mas jamais serei candidata a nada.
O comportamento da senhora é bem diferente do da primeira-dama, que participa e defende a participação política das mulheres. A Janja é maravilhosa. Eu a conheci durante a campanha. Uma pessoa alegre, dinâmica, que defende a causa da mulher. Uma defensora da atuação das mulheres na política. Ela também recebe entidades sociais. Foi ao Rio Grande do Sul representar o presidente na época das enchentes. Tem um trabalho lindo, pelo qual tenho o maior respeito. Assim como Janja, eu também quero ver mais mulheres na política.
Como está sendo voltar a morar em Brasília? Eu já gostava daqui. Os meus três filhos eram pequenos na primeira vez que moramos aqui (Alckmin foi deputado federal de 1987 a 1994) e cresceram aqui. O Jaburu é tranquilo, é um lugar lindo, mas eu gosto mesmo é do trabalho social. Gosto de estar no meio dos projetos, das comunidades. E ainda consegui convencer o Geraldo a mudar um pouco a rotina dele.
Como assim? Ele trabalha muito, nunca ia almoçar. É de segunda a domingo. Comia só sanduíche e não almoçava. Eu disse que ele ocupa uma posição que necessita de saúde. Não podia continuar daquele jeito. Ele despacha de manhã no Palácio do Planalto e de tarde no ministério. São quatro minutos de carro da Vice-Presidência até o Jaburu. Ele agora vai almoçar em casa.
Publicado em VEJA de 17 de novembro de 2023, edição nº 2868