Rompimento com irmão no Ceará consolida o isolamento de Ciro Gomes
A divergência ameaça a trajetória daquele que já sonhou com a Presidência
Em mais de quarenta anos de vida pública, Ciro Gomes experimentou um início promissor, seguido por uma queda espetacular nos últimos tempos. Começou a carreira em 1983 como deputado estadual, foi prefeito de Fortaleza, governador do Ceará, deputado federal, ministro da Fazenda no governo de Itamar Franco e da Integração Nacional no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Passou por seis partidos, até chegar ao PDT. Seu sobrenome, currículo, a personalidade combativa e o jeito incisivo — e muitas vezes destemperado — deram a ele projeção, mas não foram suficientes para que conseguisse chegar ao Palácio do Planalto. Ciro disputou a Presidência quatro vezes, mas nunca chegou ao segundo turno. Na campanha passada, teve 3,05% dos votos, o pior resultado da história. Nas últimas semanas, em meio ao rompimento com seu irmão, o senador Cid Gomes, ele viu as incertezas sobre o seu futuro político aumentarem ainda mais.
O afastamento foi sacramentado no último dia 4, em cerimônia na qual Cid se filiou ao PSB, em Fortaleza, com a presença do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro da Educação, Camilo Santana (PT), ex-governador do Ceará. O senador levou com ele 35 prefeitos do PDT, incluindo o irmão Ivo, que administra a cidade de Sobral, berço político da família Ferreira Gomes. É a primeira vez que os irmãos Ciro e Cid vão militar em partidos diferentes.
A divergência principal entre os dois gira em torno da relação com o PT. Cid defendia a manutenção da aliança histórica com os petistas no Ceará, enquanto Ciro prefere que o PDT seja independente. A briga começou na campanha de 2022, quando a ala do PDT ligada a Ciro optou pelo ex-prefeito Roberto Cláudio como candidato ao governo estadual, jogando para escanteio a então governadora, Izolda Cela, nome preferido de Cid e Camilo Santana. O PT então selou o rompimento e lançou Elmano de Freitas, eleito no primeiro turno.
A partir daí, as diferenças foram ficando cada vez mais incontornáveis. Em outubro do ano passado, durante um evento no Rio de Janeiro, os irmãos protagonizaram uma discussão acalorada, com direito a gritos e dedo na cara. Cid chegou a ser destituído do comando do diretório cearense do partido pelo presidente da legenda em exercício, deputado André Figueiredo, aliado de Ciro. Nos bastidores, o senador tentava recompor a aliança com o PT, de olho nas eleições municipais de 2024. “Alguns setores continuaram insistindo nessa coisa de encarar o PT como adversário, um partido que foi nosso aliado no Ceará por mais de vinte anos”, disse Cid a VEJA, que assegura que “não brigou e não brigará” com o irmão. Ciro não seguiu a linha diplomática. Dois dias antes de Cid se filiar ao PSB, afirmou que há um grupo político de “Judas Iscariotes” no Ceará.
O rompimento entre os irmãos e a divisão dentro do PDT desgastam ainda mais a imagem de Ciro, inclusive em sua base. Ele aparece em alguns eventos, tem o apoio de parte do diretório nacional e de uma ou outra liderança política do estado, como o ex-senador Tasso Jereissati (PSDB) e o ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio. Apesar disso, é impossível não notar o isolamento. Ciro participa muito pouco das atividades partidárias e quase não é consultado. Boa parte da legenda avalia que ele deixou de ser unanimidade, acusando-o de ser o responsável por levar o PDT para o buraco — a sigla elegeu o menor número de deputados federais de sua história em 2022. Lideranças pedetistas ainda preveem a desfiliação da maioria deles durante a janela partidária, em março. “Temos cinco deputados na bancada do Ceará, alguns com vínculo com Cid. Estamos fazendo um esforço para preservá-los”, afirma o deputado Afonso Motta, líder do PDT na Câmara. A bancada na Assembleia do Ceará também deve diminuir — pelo menos onze dos quinze deputados pedem na Justiça para deixar o partido.
Na campanha presidencial que é tão criticada, Ciro intensificou seus ataques a Lula e ao PT, fez acenos à centro-direita e tentou atrair o eleitorado evangélico. Como se viu, nada disso deu certo. Assim, engordou o cordão de fracassos daqueles que tentaram se apresentar como alternativa a Bolsonaro e Lula. “Para uma terceira via ser viável, ela tem que ser muito unânime, tem que ser uma pessoa muito agregadora. E o Ciro não é agregador”, afirma Nara Pavão, cientista política e professora da UFPE.
Após o fiasco de 2022, Ciro declarou que não concorreria novamente. Mesmo assim, seu nome continua aparecendo nas sondagens eleitorais para 2026. O próprio PDT não descarta essa possibilidade, por falta de nomes. Um levantamento recente feito pelo Instituto Paraná Pesquisas mostra que o cearense chegaria hoje no máximo a 10,3% de intenções de votos num dos cenários, atrás de Lula (37,4%) e do governador paulista Tarcísio de Freitas (17,4%).
A despeito das incertezas políticas e do processo cada vez maior de isolamento, Ciro continua ativo no palanque das redes sociais. Na economia, emite opiniões que costumam deixar a turma da Faria Lima de cabelos arrepiados, e bate em velhas teclas, como críticas ao valor do salário mínimo. Numa postagem recente, comentou a declaração do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, no Fórum de Davos, sobre a possibilidade de o Brasil perder a soberania da Amazônia para o crime organizado. “Não resisto à tentação de dizer que fui primeiro neste vespeiro e, ao contrário do que tentaram fazer comigo, com ameaças de processo, com Luís Roberto Barroso não o farão”, disse. O comentário rendeu 1 500 curtidas no X (antigo Twitter). Para o PDT, ainda dá para lançá-lo como candidato a deputado federal em 2026. Falta combinar o jogo com aquele que sonhou chegar ao Palácio do Planalto cheio de ideias, muitas delas mirabolantes, para salvar o Brasil.
Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de 2024, edição nº 2880