Revelações do cárcere: a vida de Dario Messer na cadeia
O "doleiro dos doleiros" volta a cogitar um acordo de delação, possibilidade que tira o sono de políticos, empresários, personalidades e até procuradores
Na manhã de 18 de novembro, Marlon Marques da Silva, tabelião do 6º Registro Notarial do Rio de Janeiro, percorreu os 45 quilômetros que separam seu local de trabalho, no Catete, do Complexo de Gericinó, em Bangu. A visita ocorreu a pedido de Dario Messer, o doleiro dos doleiros, preso em julho de 2019, após catorze meses foragido da Justiça. Aos 62 anos, o homem detido por movimentar 1,6 bilhão de reais ilícitos para políticos, empreiteiras e toda sorte de clientes decidiu se casar — mesmo atrás das grades — com Myra de Oliveira Athayde, de 28 anos. O documento ao qual VEJA teve acesso diz: “Os declarantes vivem sob o regime da convivência familiar desde 18/4/2018”. O acordo de união estável prevê regime de separação total de bens. Os pombinhos não imaginavam que o destino iria aproximá-los ainda mais.
Menos de 24 horas depois de o casal assinar o papel, a Polícia Federal deflagrou a Operação Patrón e prendeu Myra e sua mãe, a médica pediatra Alcione Athayde. As duas são acusadas de ser cúmplices do doleiro no período em que ele se manteve escondido. Myra viajou para Assunção a fim de tratar de transferências de dinheiro para seu amado por meio de casas de câmbio, com o patrocínio de Horacio Cartes, ex-presidente do Paraguai e sócio de Messer em fazendas de gado no país. O Ministério Público Federal rastreou repasses de 500 000 dólares por parte do político para arcar com os gastos com esconderijo, como o aluguel do apartamento de luxo transformado em refúgio, em São Paulo. Foi lá que a polícia capturou Messer. Na ocasião foram apreendidos documentos, laptops e celulares.
A ida da recém-mulher e da sogra para a cadeia deixou o doleiro consternado a ponto de voltar a pensar em fazer uma delação premiada, possibilidade que tira o sono da miríade de empresários, políticos e personalidades que realizaram transações ilícitas com Messer. Se antes ele era contrário à ideia, a prisão de Myra e o agravamento de sua situação, com a descoberta de novas contas no exterior (somente em uma delas, no Deltec Bank & Trust, nas Bahamas, guardava 17,8 milhões de dólares), fizeram com que mudasse de ideia. O principal alvo da delação seria o procurador Januário Paludo, estrela da Lava-Jato em Curitiba. Em mensagens trocadas com a namorada, Messer afirma ter pago propina a Paludo para seguir com suas atividades ilegais. Paludo nega qualquer envolvimento com Messer e foi apoiado pelos colegas da força-tarefa. Procurada pela reportagem de VEJA para falar sobre o possível acordo de delação, a defesa de Messer diz que não se pronuncia a respeito de processos sob sigilo de Justiça.
Apaixonado pela mulher 34 anos mais jovem, Messer deixou de jogar futebol com os colegas de cárcere, perdeu peso e passou a tomar antidepressivos para pegar no sono. Em um primeiro momento, Myra e Alcione ficaram em uma cela adaptada na Penitenciária de Benfica, onde antes funcionava um depósito de lixo. As duas sofreram com infecções de pele, provocadas por picadas de insetos. Relataram noites em claro para evitar mordidas de ratos. Ambas cuidaram de limpar o espaço de 10 metros quadrados com água sanitária, mas não havia meio de acabar com o mau cheiro. Messer ficou aliviado quando as duas foram transferidas, em 18 de dezembro, para o Instituto Penal Santo Expedito. Há duas semanas, Myra teve negado pedido de habeas-corpus. Já sua mãe, Alcione, nunca entrou com uma solicitação do tipo, com receio de deixar a filha sozinha em cana. Alcione não chega a ser uma novata nesse hábitat. A médica foi presa na Operação Pecado Capital, em 2008, acusada de participar de um esquema que desviou 60 milhões de reais da Secretaria de Saúde na gestão de Rosinha Matheus, mulher de Garotinho (Alcione é prima dele).
Dario Messer é o principal nome da Operação Câmbio, Desligo, iniciada em maio de 2018 contra um gigantesco esquema de movimentação de recursos ilícitos no Brasil e no exterior por meio de transferências ilegais de valores, entregas de dinheiro em espécie, pagamentos de boletos e compra e venda de cheques de comércio. Messer é apontado como o responsável por ajudar Sérgio Cabral a enviar quase 320 milhões de reais ilícitos ao exterior. O ex-governador fluminense era um dos clientes do doleiro dos doleiros, que recebeu esse apelido por avalizar negócios de doleiros de porte menor dentro desse mercado.
Quando desfrutava a liberdade, Messer não chamava atenção pelas roupas nem pelo comportamento: não era arrogante e fazia da bermuda, camiseta e sapatos mocassins seu uniforme — sempre com relógios caros, é claro, com predileção por Rolex. Circulava pelo Rio em uma scooter sem placa, para não ter problemas com eventuais multas. Na intimidade, servia-se do bom e do melhor. A cobertura tríplex situada na Avenida Delfim Moreira, no Leblon, era decorada com dezenas de obras de arte em suas paredes, com exemplares importantes de Candido Portinari, José Pancetti e Eugênio de Proença Sigaud. Em um Di Cavalcanti de 3 metros de comprimento havia uma dedicatória a Mordko Messer, pai do doleiro, já falecido. Messer costumava ser um ótimo anfitrião. Tinha predileção por champanhe Veuve Clicquot e charutos Gurkha Black Dragon. Na busca e apreensão na cobertura, em 2018, a polícia encontrou centenas de joias — entre colares, anéis, pulseiras e coleção de relógios. Ele era amigo íntimo de Ronaldo Fenômeno — ambos viajaram juntos para Paris, Milão e Moscou — e circulava com a elite carioca. Parte da turma era cliente de seus serviços — caso do empresário Arthur Soares, conhecido como Rei Arthur, beneficiário e financiador do propinoduto de Cabral.
Os volumes já altíssimos detectados na movimentação de Messer não param de crescer com o andamento das investigações. A Operação Marakata foi criada exclusivamente para investigar a empresa Comércio de Pedras O S Ledo, que usou os serviços de Messer para enviar 44 milhões de dólares ao exterior com a venda de pedras preciosas extraídas de minas de Campo Formoso, na Bahia. Uma conta no Panamá foi aberta para essas transações. Messer tem depoimento marcado para o dia 21 de janeiro para falar do caso. Ele está preso em Bangu 8 ao lado de outros 21 detentos, em uma sala onde cabem 44, entre ex-deputados estaduais e ex-procuradores. O doleiro recebe toda sexta pela manhã a visita de um rabino, que leva para ele comida kosher e com quem faz algumas orações. Entre os parentes, somente o filho Dan vai visitá-lo com frequência. As irmãs do rapaz, Débora e Denise, foram ver o pai apenas na semana do Natal. Os três filhos e a ex-mulher de Messer, Rosane, homologaram delação premiada e devolveram 370 milhões de reais aos cofres públicos. O doleiro tem motivos de sobra para se preocupar. Na Operação Câmbio, Desligo, ele nem sequer foi citado pelo juiz Marcelo Bretas, mesmo após meio ano de cana. A lentidão levou o advogado de Messer, Átila Machado, a enviar uma petição em que solicita a citação de seu cliente, a fim de acelerar o andamento do processo. O doleiro dos doleiros não está tendo mesmo direito a refresco. E nem à lua de mel.
Publicado em VEJA de 15 de janeiro de 2020, edição nº 2669