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‘Quero sossegar com a Soninha’, diz ex-morador de rua

Paulo Sergio, de 42 anos, conta como saiu das ruas para viver ao lado da política Soninha Francine

Por Da redação
Atualizado em 12 jul 2017, 09h06 - Publicado em 12 jul 2017, 09h05

Em março de 2014, Paulo Sergio ainda morava em sua maloca debaixo do Viaduto Presidente João Goulart, na Praça Marechal Deodoro, região central de São Paulo. Apaixonado por cantar pagode, era chamado pelos outros 11 amigos com quem dividia o espaço de Dig Dig, por causa da música Somente Você, do Raça Negra (Dig, dig, dig iê…).

Sua maloca tinha como teto o concreto do Minhocão. Ele diz que, apesar de tentar manter o asseio limpando a calçada, as coisas que mais detestava fazer eram tirar a barba e tomar banho.

No fim de uma tarde Soninha Francine – hoje vereadora paulistana pelo PPS – chegou na maloca e começou a conversar com seus amigos. Paulo, bêbado como sempre, observava. No início, não gostava dela e a chamava de “baixinha, sapatão e folgada”.

O sentimento virou afeição. Um dia, ela pediu a Paulo que a acompanhasse até o ponto de ônibus. Ele estranhou. Lá, se abraçaram, e ele pediu um selinho a Soninha, que retribuiu. “Ela chegou na maloca e eu lá, todo feio, com barba grande, falhada, e preta.” Passou a noite toda pensando nela, sem imaginar que havia beijado a futura secretária municipal de Direitos Humanos e ex-VJ da MTV.

Paulo Sergio Rodrigues Martins, de 42 anos, nascido no Paraná, só conversou com a reportagem a pedido de sua companheira Soninha, de 49 anos. Foram dois encontros. O primeiro na casa em que eles moram, na Pompeia, zona oeste – que dividem com a filha mais nova de Soninha, de 20 anos, dois cães e cinco gatos. O segundo foi na Câmara, enquanto ela estava no plenário. Ele ficou pouco à vontade nas entrevistas.

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Tem dificuldades com datas e em recuperar eventos, já que ficou cerca de 20 anos nas ruas, entre idas e vindas da casa da mãe, e sempre bebendo muito. “Não sei o quanto bebia. Ficava nessa vida: acordava com pinga, dormia com pinga, não comia nem dormia direito.” Não se lembra, por exemplo, da sua primeira noite na rua, embora lembre a primeira vez em que bebeu álcool: aos 17 anos, em um pagode com seus primos mais velhos, que já usavam cocaína.

Morar na rua foi algo gradual. Começou a sair para beber e usar drogas na sexta e só voltava na segunda para a casa. Quando chegava muito mal, a mãe não o deixava entrar. Acabou não voltando mais e fazendo parte do grupo de mais 16 mil pessoas que vivem nas ruas na cidade. Não gosta de albergues, seja pelas filas, regras de horários, impessoalidade ou a restrição da autonomia, sem falar nos furtos.

Tem dois filhos, com 17 e 18 anos, e voltou a vê-los com mais frequência após a reabilitação. Nos seus 20 anos de rua, fez bicos esporádicos em obras. Não gosta de falar sobre o passado, mas conta que já viu vários amigos morrerem de frio, e também a história sobre um que morreu em seus braços, esfaqueado por dívida de drogas. Paulo divide o mundo entre o lado de dentro e o de fora. O lado de fora, diz ele, tem uma grande lição às pessoas: serem mais solidárias.

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Após o beijo no Minhocão, começaram a namorar escondidos. Até que ela decidiu levá-lo para sua casa. A relação era conturbada pelo consumo excessivo de álcool por Paulo. “Todo dia tinha briga. Não cheguei a agredir fisicamente, mas de falar ‘abobrinhas’. No dia seguinte me arrependia”. Foram três anos de tentativas e recaídas. Paulo já tinha tentado internação, recorrido ao Centro de Atenção Psicossocial e a remédios. “Internar não é para mim. Tomar remédio é o mesmo que nada. Aqui na esquina tem bar: ia tomar remédio e cachaça ao mesmo tempo”.

Paulo tinha crises de enxaqueca, por beber demais ou pela abstinência, e até convulsões. Após três anos de pressão dos familiares e amigos, Soninha, no começo do ano, terminou com ele e proibiu que a visitasse na secretaria municipal.

Ele foi levado por um amigo a tomar chá de ayahuasca em um sítio em São José do Rio Preto, no interior paulista, do grupo Mentes Livres, que faz tratamento terapêutico especializado em dependência química. “É muito gostoso. A coisa mais importante e mais impressionante de tudo de bom que aconteceu na minha vida é esse chá”, afirma. Não sentiu os efeitos da bebida na primeira vez, mas se sentiu mais aliviado. Voltou para Soninha e começou a tomar remédios para abstinência. Foi passar uma semana em tratamento com o chá, mas ficou um mês. “Tomei o chá, e ele foi mostrando as coisas mais ainda. Tentava vomitar o mal que tinha em mim e não saía nada.” Na última vivência diz ter chorado, vomitado mais de 20 vezes, suado. Trouxeram um copo d’água para acalmar, mas ele confundiu com pinga.

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Paulo jogou a água no fogo, e saiu jogando tudo que se parecesse com pinga na fogueira. Após o ritual, ele disse que havia perdido totalmente a vontade de beber.

E faz mais de quatro meses que não tem recaída. Diz que hoje entra em bar e pede tranquilamente só um café. Os voluntários do Mentes livres recomendam “manutenção” com o chá a cada 15 dias, o que Paulo faz acompanhado de Soninha, que experimentou há pouco o chá pela primeira vez.

Das ruas sente falta só dos amigos e dos pagodes. Questionado sobre como ficaria a vida sem Soninha, responde: “Difícil… Consigo imaginar, sabe como? Lá para fora (e aponta para a janela). Sem ela, não sei… Posso ficar na rua, mas de um jeito diferente. Vou procurar coisas melhores. Não vou voltar para o álcool.”

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Ele se divide em acompanhar a vereadora e trabalhos de pedreiro na casa de conhecidos dela. Os 20 anos de uma vida resumida ao imediatismo da próxima dose ou prato de comida talvez dificultem planos de médio e longo prazo. “Meu sonho é trabalhar e construir uma família, ficar sossegado com a Soninha. Quero progredir, estou planejando voltar a estudar. Meu passado eu não quero mais não”.

Paulo também gosta de acompanhar os debates no plenário da Câmara, embora admita que não entende quase nada do que é dito. Ao se dirigir até a grande janela que dá para o Viaduto Jaceguai, na frente do Legislativo, ele diz: “Há uns dez anos eu dormia ali, jogado na frente daquela mureta branca. Nunca imaginei que um dia entraria neste prédio”.

(com Estadão Conteúdo)

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