Queimadas no Pantanal fazem mais uma vítima: o turismo
Não bastasse o impacto no bioma, chamas complicam um setor que já vinha combalido pela quarentena
“Primeiro a Covid-19, depois as queimadas”, lamenta o paranaense André Thuronyi, de 67 anos, que chegou em 1979 a Poconé (MT) e hoje é dono da Araras Eco Lodge, uma das pousadas no eixo da Rodovia Transpantaneira, local mais afetado pelas queimadas que destruíram 15% do Pantanal, causaram enorme prejuízo ambiental e abalaram a retomada do turismo. Empresários apontam queda de até 90% na atividade, que vinha de uma longa retração em razão da pandemia. Quando esperavam a retomada no horizonte, veio o fogo. “Estava terminando uma reforma e tive de parar tudo”, diz Thuronyi. No lugar dos visitantes aguardados no período de alta temporada na região, entre julho e outubro, endereços como o Araras Eco Lodge hoje abrigam e alimentam, de forma gratuita, grupos de bombeiros.
Os empresários do setor também tiveram de pôr a mão na massa para evitar um desastre maior. Como os cerca de 300 homens da operação oficial (Corpo de Bombeiros, Ibama, ICMBio e governo estadual) concentram-se em unidades de conservação, terras indígenas e áreas próximas às cidades, os donos de hotéis e pousadas formaram brigadas próprias de combate com guias e outros voluntários que, sem remuneração, estão há sessenta dias na linha de frente contendo o fogo nas redondezas dos estabelecimentos com abafadores, carros-pipa e tratores. “Já investimos 60 000 reais”, relata Giuliano Bernadon, proprietário da Aymara Lodge, também em Poconé. Ali, segundo o Inpe, houve 14 678 focos de incêndio só nos primeiros vinte dias de setembro.
Embora a prioridade do momento seja o trabalho de contenção dos incêndios, já há uma preocupação com outros problemas que devem vir no rastro do fogo. É preciso que volte a cair chuva para pôr fim à seca de mais de 120 dias que serviu de estopim para as queimadas. Mas, se cair água em excesso, as cinzas levadas em grande quantidade para os rios podem provocar mais um desastre ambiental. “Se chover em abundância, teremos uma gigantesca mortandade de peixes”, explica Luis Carlos Nigro da Cunha, dono do Pantanal Hotel. Um desastre nos rios pode afetar mais de vinte barcos-hotéis da região, que vivem justamente da abundância de peixes.
Como o turismo rende divisas importantes para Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, o impacto econômico não preocupa apenas os donos de hotéis. Por ano, o local recebe mais de 400 000 turistas. Mesmo localidades não atingidas pelas chamas, como a cidade de Bonito, um dos principais cartões-postais da região, sofrem com o cancelamento de voos e de reservas. A esperança de uma retomada reside na força de recuperação do bioma. “Em 2019, queimou cerca de 60% de toda a área da fazenda. Depois de um ano, todo o verde voltou”, afirma Roberto Klabin, dono do maior hotel de turismo de natureza do Pantanal, o Refúgio Ecológico Caiman.
De fato, queimadas não são um fenômeno novo por lá, mas o problema tomou uma proporção maior nesta temporada. Segundo o Inpe, o volume de incêndios na área é recorde em mais de duas décadas. Jair Bolsonaro sempre adota uma postura negacionista com relação a esse e a outros dados, mas sentiu de perto o tamanho do problema no último dia 18, durante agenda com representantes do agronegócio em Mato Grosso: o avião em que estava teve de arremeter o pouso em Sinop porque a visibilidade foi afetada pela fumaça. O susto não mudou seu comportamento. Na terça 22, em discurso na ONU, mais uma vez relativizou os graves problemas ambientais brasileiros, dizendo que “somos vítimas de uma das mais brutais campanhas de desinformação”. Dessa forma, o presidente contribuiu para chamuscar novamente a imagem do país.
Publicado em VEJA de 30 de setembro de 2020, edição nº 2706