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Projeto de memorial contra a tortura está parado por falta de dinheiro

Não há recursos para pagar o valor da desapropriação da chamada Casa da Morte, entre 1,2 milhão e 1,5 milhão de reais

Por Jana Sampaio, do Rio de Janeiro
Atualizado em 27 ago 2019, 19h08 - Publicado em 14 ago 2019, 19h23

Segredo bem guardado da ditadura militar, um sobrado em Petrópolis serviu durante anos de centro clandestino de tortura e extermínio de militantes de grupos de esquerda – o único do gênero de existência comprovada. Um processo em andamento prevê a transformação da Casa da Morte, como é chamada, em memorial de um período doloroso da história recente. Mas, com o descaso habitual que cerca a preservação da memória nacional, sua execução está parada: não há recursos para pagar o valor da desapropriação, entre 1,2 milhão e 1,5 milhão de reais.

A revelação sobre a existência da Casa da Morte foi feita por Inês Etienne Romeu em 1979. Com a ditadura desmoronando, ela saiu da cadeia no Rio de Janeiro e entregou à Ordem dos Advogados do Brasil um relatório sobre os 96 dias que passou lá. A detalhada lista de horrores descrevia a rotina de sevícias e seus dezenove algozes. O de número doze é o sargento reformado Antônio Pinheiro de Lima, que acaba de tornar réu no primeiro processo contra um torturador da ditadura militar. Inês morreu em 2015, mas seu relatório serviu de base para a acusação. Lima nega as acusações e afirma que exercia apenas a função de caseiro.

Palco de barbaridades que a decisão da justiça trás à tona, a Casa da Morte foi declarada, em dezembro do ano passado, imóvel de utilidade pública apto a desapropriação pela Prefeitura de Petrópolis. Não foi a primeira vez. Seis anos antes, o município havia publicado o mesmo decreto, que caducou sem execução. “Nenhuma das esferas públicas manifestou interesse real na desapropriação”, afirma Carla Carvalho, coordenadora do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis.

Um mês antes da nova desapropriação, a casa foi tombada, por recomendação do Ministério Público Federal. “Recomendamos o tombamento porque há indícios de que alguns dos desaparecidos podem ter sido enterrados lá. Já foi feita uma perícia, sem resultados, mas agora dispomos de melhor tecnologia”, diz Monique Checker, uma das procuradoras do MPF que acompanha o caso.

Além dos detalhes sobre a rotina de cárcere e tortura, Inês gravou o número do telefone do imóvel – que levou à sua localização. No mesmo ano em que entregou o relatório à OAB, o alemão Mario Lodders, que emprestara a casa ao Exército, a vendeu para o engenheiro Renato Noronha, que nela se instalou com a mulher e os dois filhos, sem ter qualquer noção dos atos terríveis que haviam sido cometidos lá. Noronha continua morando sozinho na casa, que diz ter reformado de alto a baixo. “Meus filhos nasceram e cresceram aqui. Mas minha vida não tem sido fácil. Só quero que o município me pague o valor justo para sair daqui”, disse a VEJA.

Pelo menos dezoito pessoas, desaparecidas durante a ditadura, tiveram passagem documentada pela Casa da Morte. Enquanto nenhum órgão público se mexe para garantir a preservação do imóvel que faz parte da história do país, o Grupo Pró-Memorial, criado para este fim, lançou em junho uma campanha para arrecadar doações. No meio tempo, a Casa da Morte, cenário de um passado de horrores sobre o qual ainda se lançam dúvidas, continua sem placa nem nome, como se fosse um imóvel qualquer em uma ladeira tranquila de Petrópolis.

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