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Produzir mais com menos

Com o mundo caminhando para 10 bilhões de habitantes em 2050, é preciso encontrar formas de suprir o aumento da demanda por alimentos sem exaurir o planeta

Por Thiago Cordeiro
31 out 2023, 16h21

Como alimentar mais pessoas – de um jeito mais saudável — utilizando a menor quantidade possível de recursos e reduzindo as emissões de gases causadores das mudanças climáticas? O setor de alimentação encara essa pergunta diariamente. Enquanto a pressão por eficiência e sustentabilidade aumenta, a população global caminha para atingir perto de 10 bilhões de habitantes por volta de 2050.

A expansão demográfica é um processo concentrado em determinadas áreas do globo. De acordo com estimativas das Nações Unidas, mais da metade do crescimento populacional até a metade do século vai ocorrer em oito países africanos e asiáticos: Congo, Egito, Etiópia, Nigéria Tanzânia, Filipinas, Paquistão e Índia — que em abril deste ano ultrapassou a China e se tornou o país mais populoso do mundo, com 1,4 bilhão de pessoas. O fato de a população global crescer em regiões mais pobres significa que vai aumentar a pressão por mais alimentos, especialmente proteínas. Até 2050, de acordo com projeções da FAO, a agência da ONU para a agricultura e a alimentação, será preciso entregar 70% mais alimentos — a oferta de comida terá de crescer acima da expansão demográfica porque existe uma parcela de pessoas passando fome atualmente e elas precisam ser atendidas.

E não basta aumentar a produção de comida. Cada vez mais, esse processo precisa ser feito de forma sustentável, para garantir a segurança alimentar, proteger o meio ambiente, mitigar as mudanças climáticas, promover a saúde humana e atender às demandas dos consumidores. “Esse é o maior desafio da humanidade desde a invenção da agricultura e está diretamente ligado à saúde e à qualidade de vida. O investimento em tecnologia, que o agronegócio já realiza há décadas, precisa ser fortalecido”, diz
Marcel Motta, diretor da empresa de pesquisas Euromonitor no Brasil.

A segurança alimentar está na agenda global e deve colocar o Brasil cada vez mais nos holofotes. “Com o domínio do manejo do solo que alcançou em territórios tropicais, o país está bem-posicionado para liderar os avanços do setor”, afirma Luis Otávio da Fonseca, chefe do setor de agronegócio da consultoria Deloitte. “Hoje o Brasil tem 4 milhões de estabelecimentos rurais familiares e existe uma movimentação para alargar a base de produtores, trabalhando com mais agricultores, de menor tamanho, conectados ao ecossistema empresarial.”

O setor de alimentos tem desenvolvido uma série de soluções para diversificar e melhorar os produtos que oferece, além de ajustar os processos de gestão. São ações que começam no campo, passam pela etapa de processamento dos alimentos e chegam a medidas de redução de desperdício e de economia circular. Conheça a seguir as quatro tendências mais expressivas que deverão moldar a produção global de alimentos até 2050.

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Tecnologia no campo

Com drones e sensores, um produtor rural consegue mapear o solo com um nível de precisão inédito. Lançados em nuvem, os dados são analisados e permitem que o agricultor utilize insumos e água nos pontos exatos e nas quantidades que realmente são necessários. No momento do plantio e da colheita, equipamentos elétricos e autônomos operam monitorados a distância.

O cenário parece futurista, mas já chegou ao campo — assim como o monitoramento da cadeia da pecuária, que utiliza sensores para mapear a origem dos animais desde o nascimento até o abate e sistemas em blockchain que registram, de forma inviolável, o percurso de cada um deles. A JBS, por exemplo, maior produtora e processadora de carne bovina do mundo, implementou em 2021 uma solução com esse objetivo, a Plataforma Pecuária Transparente. A ideia da empresa é utilizar a tecnologia para garantir que, até o fim de 2025, todos os seus fornecedores estejam cadastrados, respeitando a confidencialidade exigida pela Lei Geral de Proteção de Dados.

Os sensores alimentam a agricultura de precisão, uma prática relativamente recente e com grande potencial de expansão, diz Raj Khosla, chefe do departamento de Agronomia da Kansas State University. “A agricultura é uma atividade complexa, que combina
física, química, biologia, geologia e economia. Estamos entrando em uma era em que a geração de dados multidimensionais, com o uso de sensores para avaliar a produção em cada área, ao longo do tempo, vai permitir que os agricultores lidem melhor com todas as variáveis e, assim, produzam mais com menos recursos.”

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Esse avanço acontece, em parte, graças ao esforço de startups que se aproximam do agronegócio com soluções de alto valor. É o caso da californiana FarmWise, que utiliza sensores aplicados aos tratores para identificar ervas daninhas, assim como robôs alimentados por inteligência artificial, capazes de remover essas plantas indesejadas sem prejudicar a lavoura. “A fazenda vai parecer cada vez mais uma fábrica, um ambiente em que tudo era empírico e agora terá processos bem controlados”, diz Sergio Pinto, presidente da startup brasileira Cellva.

A empresa vem alcançando resultados promissores apostando em um novo nicho: o desenvolvimento de bioingredientes alimentares — no caso, gordura suína cultivada em laboratório, com vastas aplicações em diferentes setores, da alimentação aos cosméticos. A Cellva desenvolveu um método que, com base em células animais, leva apenas 21 dias para produzir o insumo — ante os 18 a 24 meses necessários pelo processo tradicional. Outras iniciativas apostam na edição genética, uma técnica avançada que pode ser usada para desenvolver plantas mais resistentes a pragas, que requerem menos água ou que têm um valor nutricional melhorado. “As técnicas de melhoramento de sementes estão avançando rapidamente, com soluções que incluem, por exemplo, soja mais resistente a secas”, diz Arthur Gomes, diretor executivo da CropLife Brasil, associação que reúne especialistas, instituições e empresas que atuam na pesquisa e no desenvolvimento de tecnologias para o campo.

  Foco na sustentabilidade

A indústria de alimentos vem buscando reduzir as emissões aproveitando grandes áreas para implementar soluções de energias renováveis, especialmente a solar, apoiada por baterias para garantir o fornecimento consistente. O setor também acelera sua participação na produção de biocombustíveis — uma prática que, no Brasil, levou à consolidação do etanol e ao desenvolvimento mais recente do etanol de segunda geração, que é produzido a partir de fontes de biomassa como resíduos agrícolas, madeira e outras matérias orgânicas ricas em celulose.

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“Vemos um movimento importante e consistente da indústria de alimentos em buscar rotas de crescimento que visam cuidar dos impactos sociais e ambientais. Temos pesquisas que apontam que 86% dos executivos da área de alimentação acreditam que
devam se posicionar a esse respeito”, afirma Simone Galante, fundadora e presidente da Galunion, uma consultoria em foodservice, setor que reúne empresas que preparam refeições e produtos alimentares para consumo fora de casa.

Resíduos da pecuária também podem ser utilizados para gerar energia limpa. A redução do uso de embalagens plásticas é outra tendência, com algumas empresas que têm avançado nessa direção. Um exemplo é a Anchor, indústria de produtos lácteos de origem neozelandesa. Há muitas empresas que fazem promessas sobre a reciclagem de embalagens, mas a Anchor se destaca por estar cumprindo todas as etapas para atingir uma meta ambiciosa: até 2025, todas as suas embalagens de plástico serão 100% recicláveis, recicláveis, reutilizáveis ou compostáveis. Ajustes na logística, com o apoio da tecnologia, também estão no radar
das empresas para reduzir os custos — e as emissões. “As indústrias do setor começam a entender que podem utilizar os dados do mercado como um todo para melhorar suas práticas, com base em cenários detalhados que apontam, inclusive, as rotas mais problemáticas e as mais promissoras”, diz Jared Andrade, diretor de data & analytics da Cadastra, empresa global de serviços de tecnologia, estratégia, marketing e análise de dados.

A cada ano, o Brasil desperdiça 27 milhões de toneladas de alimentos, segundo a ONU. Cerca de 80% das perdas ocorrem no manuseio, no transporte e nas centrais de abastecimento. A utilização de robôs para a manipulação dos produtos e o investimento em armazéns com condições de umidade e temperatura controladas remotamente devem contribuir para reduzir esse desperdício.

Fazendas verticais

Impulsionada pelas dificuldades que surgiram durante a pandemia, a indústria busca novas soluções para distribuir alimentos com maior eficiência e menos emissões. O contexto favorece a adoção em maior escala de fazendas verticais – cultivo em estruturas empilhadas verticalmente, para otimizar o uso de espaço – e áreas de produção distribuídas, mais próximas de onde se concentram os consumidores. Isso é importante porque a população global tem adquirido um perfil cada vez mais urbano – 54% das pessoas no mundo habitam hoje cidades, proporção que deverá chegar a 60% daqui a 30 anos.

A startup brasileira Pink Farms, maior rede de fazendas verticais urbanas na América Latina, é um exemplo dessa tendência. A empresa produz hortaliças em um galpão no bairro de Vila Leopoldina, em São Paulo. O ambiente fechado permite o controle absoluto de todas as variáveis importantes para o desenvolvimento das plantas, desde a temperatura, a umidade e os níveis de CO2 até a iluminação, que é artificial (da cor rosa, daí o nome da startup), além da solução nutritiva que é fornecida às plantas. A Pink Farms não usa agrotóxicos e afirma economizar 95% de água e 60% de fertilizantes, em comparação com os sistemas de cultivo tradicionais. Além disso, como opera em área urbana, perto de onde estão os consumidores, a Pink Farms conseguiu reduzir a distância em até 90%, diminuindo também os desperdícios e as emissões de carbono associados ao transporte.

Fertilizantes biológicos

Ao longo de décadas de utilização, os adubos químicos foram perdendo eficácia, conforme as pragas que afligem a lavoura adquiriram resistência. Por isso, o mercado americano, em especial, mas também o brasileiro têm adotado os fertilizantes biológicos, elaborados à base de organismos vivos, como vírus e bactérias.

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Eles são mais eficazes contra riscos importantes para a produção, como a cigarrinha do milho, com eficácia de 80%, ante 60% dos similares químicos. “Os fertilizantes biológicos deixarão de ser de nicho e caminham para se tornar padrão no mercado.

Eles serão utilizados de forma complementar aos fertilizantes químicos, que podem ser aplicados de forma mais racional”, afirma Ruy Cunha, presidente da Lavoro, maior distribuidora de insumos agrícolas do Brasil e primeira da América Latina listada na
bolsa de valores americana Nasdaq. “O produtor rural investe no que funciona comprovadamente. E já entendeu que esses insumos funcionam, além de causar um impacto ambiental menor, porque demandam menor número de aplicações. Isso reduz também a movimentação de maquinário, que provoca emissões”, diz Marcelo Pessanha, presidente da Crop Care, holding que controla a Lavoro. “A relação custo-benefício também já ficou competitiva, outro aspecto que torna os biológicos atraentes para o mercado.”

 

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