Prioridade à agenda internacional trouxe efeito colateral a Lula em 2023
Com o presidente dedicando tempo e atenção à agenda de chefe de Estado, a função de chefe de governo ficou, muitas vezes, em segundo plano
O presidente Lula tem uma conhecida mania de grandeza, que está na essência de um de seus bordões prediletos, o “nunca antes na história deste país”. Em seu terceiro mandato, ele reafirmou o compromisso de combater a fome e a desigualdade social, trabalho que lhe rendeu recorde de popularidade ao deixar o Palácio do Planalto, em 2010, mas também definiu como meta se tornar um líder global na defesa do meio ambiente e da paz. Alguns de seus auxiliares dizem que, se for bem-sucedido na missão, ele pode até pleitear o Prêmio Nobel da Paz. Como sonhar não custa nada, Lula foi à luta. Em 2023, o presidente fez mais de vinte viagens internacionais e visitou 25 países. Num contraponto a Jair Bolsonaro, cuja gestão se gabava da condição de pária internacional, o petista reinseriu o Brasil no cenário externo. De positivo, estreitou relações que estavam estremecidas, o que pode render relevantes acordos comerciais. De negativo, emprestou apoio a ditaduras de esquerda, numa recaída tipicamente ideológica, e apresentou soluções simples para problemas complexos, como quando sugeriu uma prosaica conversa de botequim para acabar com a guerra entre a Ucrânia e a Rússia.
Anunciada na campanha de 2022, a prioridade à agenda internacional teve um efeito colateral caseiro. Com o presidente dedicando tempo e atenção à agenda de chefe de Estado, a função de chefe de governo ficou, muitas vezes, em segundo plano. As consequências são conhecidas. Sua administração não conseguiu, por exemplo, formar uma base de apoio consolidada no Congresso. Diante de uma infinidade de desafios domésticos, Lula pretende aumentar a presença em solo nacional no próximo ano. Pode ser uma boa notícia se o interesse não for meramente eleitoreiro. Durante o seu segundo mandato, Lula desfrutou de prestígio internacional, a ponto de ser chamado de “o cara” pelo então presidente americano, Barack Obama. Esse tipo de reconhecimento é importante, mas a prioridade de qualquer governante deve ser arrumar a própria casa. Ao perseguir o status de protagonista global, Lula não pode se esquecer de que as urnas lhe delegaram, antes de qualquer coisa, a missão de presidir o Brasil e liderar o país rumo a um ciclo de prosperidade e de redução de suas históricas mazelas sociais.
Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2023, edição nº 2873