Prevista só para 2025, sucessão de Lira já rende articulações nos partidos
A movimentação até aqui aponta para a desintegração do grupo que sustentou o governo Bolsonaro e garantiu a ascensão do atual presidente da Câmara
Há alguns anos, Arthur Lira era apenas um político habilidoso do Centrão. Não era protagonista das rodas mais influentes, lutava para ganhar ascendência sobre as decisões do Congresso e dificilmente virava notícia. A competência para a articulação nos bastidores, sua postura firme nos acordos e a aliança com o presidente Jair Bolsonaro fizeram com que o alagoano chegasse ao comando da Câmara em 2021, com uma vitória no primeiro turno sobre o establishment da Casa, representado pela candidatura de Baleia Rossi, então apoiado por Rodrigo Maia. No cargo, Lira tornou-se um dos homens mais poderosos da República, a ponto de ser reeleito este ano com 464 votos (de 513 deputados), a maior votação da história. Ele ainda tem mais de um ano de “reinado” e não poderá se reeleger, mas a relevância adquirida por sua cadeira — que já era importante, mas ganhou mais poderes durante sua gestão — fez com que ela se tornasse uma das mais cobiçadas em Brasília, a ponto de, ainda tão longe da sua sucessão, já haver uma forte articulação dos principais partidos pelo seu lugar.
A movimentação até aqui aponta para a desintegração do grupo que sustentou o governo Bolsonaro e garantiu a ascensão de Lira — PP, PL e Republicanos têm a pretensão de construir seus próprios caminhos em 2025. Outras siglas de centro, como PSD e MDB, também querem ter candidato. Além disso, é quase certo que a frente de vinte legendas para reeleger Lira, que incluiu até a esquerda, não vai se repetir.
Muitas intrigas e reviravoltas ainda devem rolar até fevereiro de 2025, mas os primeiros nomes já começam a ser postos na mesa. Um dos principais cotados é o baiano Elmar Nascimento, líder do União Brasil e considerado o deputado mais próximo a Lira. Os dois mantêm uma relação de amizade, frequentam as casas um do outro e juntam as famílias nas datas comemorativas. Além do peso desse apoio, Elmar tem a vantagem de integrar o maior bloco da Casa, com nove siglas e 175 parlamentares. A liderança desse grupo é alternada e será ocupada pelo União nos meses antes da eleição — ou seja, estará nas mãos de Elmar a negociação de espaços como relatorias e cadeiras em comissões, que podem ser trocados por apoio na disputa. Nos bastidores, ele ainda sonha reeditar a frente ampla que reelegeu Lira e conversa com colegas do governista PT e do oposicionista PL em busca de acordos.
Dentro do “núcleo duro” do antigo Centrão, também há um nome considerado de peso — que já tem assento importante na Mesa Diretora. O presidente do Republicanos, Marcos Pereira, vice-presidente da Câmara, não esconde a ambição e faz hoje a articulação mais agressiva para tentar ocupar a cadeira ao lado da sua. Os obstáculos são muitos para alcançar esse objetivo e poucos políticos acreditam no sucesso da empreitada, o que não tira o ânimo de Pereira. Ao retirar sua candidatura em 2021, ele teria recebido duas garantias de Lira: de apoio ao nome do então deputado Jhonatan de Jesus, que era do Republicanos, para ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), e de ajuda irrestrita para chegar à presidência em 2025. A primeira promessa foi cumprida, mas o segundo acordo já é visto como quebrado por Pereira. Ele acredita que pode compensar esse enorme prejuízo atraindo algumas alas do Centrão, além de fechar acordos com o PT e com Lula — cujo governo sua sigla integra. Embora seja uma costura difícil, o cacique do Republicanos acha que tem o tempo a seu favor. Daí vem a disposição de arregaçar as mangas desde já, mesmo há mais de um ano da eleição.
Uma das grandes incógnitas nessa disputa é para onde vai o maior partido da Casa, o PL, que tem 98 deputados. O presidente Valdemar Costa Neto já manifestou seu desejo de lançar um candidato e até nomeou o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança para coordenar a escolha interna. O líder do partido, Altineu Côrtes, é visto como possível postulante, mas desconversa. “O mais importante é conseguir um nome que unifique a bancada”, diz. Apesar do seu tamanho, é improvável que o PL, isolado na oposição, consiga chegar à presidência sem o apoio de Lira ou de um dos dois superblocos da Casa. Isso será difícil porque há outros pretendentes, como PSD — a sigla, que tem o baiano Antonio Brito como pré-candidato, faz parte da base do governo e integra o segundo maior bloco da Casa, com 142 deputados. O maior bloco deve fechar com Elmar.
O caminho que a esquerda irá seguir é outro mistério. Em 2023, a federação PT-PCdoB-PV apoiou Lira para não prejudicar o início da gestão de Lula, mas esse pragmatismo pode não se repetir. Na última semana, a presidente petista, Gleisi Hoffmann, mandou um recado. “O PT ainda não discutiu o assunto e o fará no momento oportuno, avaliando, inclusive, a possibilidade de lançar candidatura própria ou de seu campo político”, disse. Considerando-se o histórico dos últimos anos, é uma péssima ideia. A última vez que o PT lançou alguém (Arlindo Chinaglia, em 2015), para enfrentar o então poderoso Eduardo Cunha, foi um desastre: acabou derrotado, ganhou a ira do vitorioso e viu a presidente Dilma Rousseff ser tragada pelo impeachment desencadeado pelo desafeto.
Não faltam motivos para a cobiça precoce pelo cargo. Além das atribuições que já conferem proeminência ao seu ocupante, como ditar a pauta de votações e aceitar ou não um pedido de impeachment do presidente da República, o “reinado” de Lira promoveu mudanças que ampliaram o peso do cargo. Uma delas são as sessões virtuais, adotadas na pandemia e mantidas depois — cabe apenas ao presidente da Câmara decidir quando e se as votações serão feitas de forma remota, o que quase sempre é usado para fazer valer o seu interesse em uma pauta. Sob sua gestão, também foram aprovadas resoluções que limitaram as ferramentas de obstrução da minoria. Mas nada disso se compara ao poder do dinheiro. Além de controlar o orçamento da Câmara, de 8 bilhões de reais, o presidente tem peso decisivo na distribuição das emendas parlamentares, um bolo que chega hoje perto de 40 bilhões de reais por ano. “Lira é o presidente mais centralizador que já houve desde o início da Nova República”, afirma Graziella Testa, doutora em ciência política e professora da FGV.
O controle sobre a Câmara fez de seu presidente um aliado incontornável de qualquer governo. E isso tem um preço. Na quarta 25, por exemplo, Lula nomeou Carlos Antônio Vieira Fernandes, indicado por Lira, para presidir a Caixa. O alagoano já havia emplacado aliados nos ministérios do Turismo (Celso Sabino) e do Esporte (André Fufuca). Tanto poder às vezes incomoda. Lira protagonizou embates com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, sobre a tramitação de medidas provisórias, PEC da Anistia e minirreforma eleitoral. Em agosto, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que a Câmara “está com poder muito grande e não pode usar esse poder para humilhar o Senado e o Executivo” — depois, precisou ligar para Lira e se explicar.
O protagonismo também deu mais peso institucional à Câmara e, diga-se de passagem, seu presidente tem sido extremamente responsável na execução do seu papel. Apoiador de Bolsonaro, Lira foi o primeiro a ligar e parabenizar Lula pela vitória. Ele fez andar pautas como a PEC da Transição, o arcabouço fiscal e a reforma tributária, que ajudaram o governo a dar os seus primeiros passos. Lula, a propósito, terá de conviver com o sucessor por dois anos de mandato. A movimentação de candidatos parece ter começado muito cedo, mas os políticos que cobiçam o cargo sabem que a recompensa para quem vencer a maratona de articulações até 2025 terá como prêmio ocupar uma cadeira que hoje vale ouro.
Publicado em VEJA de 27 de outubro de 2023, edição nº 2865