Preços para hospedagem na COP30 se impõem como enrosco urgente para o governo
Delegações dizem que os valores abusivos em Belém podem tornar a ida ao evento inviável

A menos de 100 dias da COP30, em Belém, o entusiasmo que costuma prevalecer na reta final de um evento de tamanha envergadura, capaz de colocar o Brasil no centro das discussões internacionais em assunto tão crucial, deu lugar a uma crise que sobe de temperatura. As incertezas que pairam hoje sobre a conferência nada têm a ver com a nobre essência do encontro. Elas giram em torno dos exorbitantes preços praticados pelo setor hoteleiro, que têm feito muitos dos 190 países participantes refletirem sobre quantos representantes mandar ao Pará, e se vão mesmo enviá-los diante das abusivas cifras. “Se não tivermos todas as delegações em Belém, pode haver um questionamento sobre a legitimidade do que negociamos”, reconheceu uns dias atrás o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, durante evento em São Paulo.
O que ocorre agora em Belém resulta de um princípio elementar da lei de mercado, o da oferta e demanda — que neste caso disparou. Verdade que a inflação hoteleira não é novidade em COPs, como pôde ser observado em edições recentes, entre as quais as do Catar e do Azerbaijão. Mas a capital paraense extrapolou os números a níveis inéditos, com um quarto em um estabelecimento duas estrelas a preços superiores aos de luxuosas acomodações em Paris ou Nova York. “A cidade parece programa de TV: todo mundo quer ser um milionário aqui”, diz um integrante do governo local envolvido nas negociações com os donos de hotéis, em alusão ao quadro apresentado por Luciano Huck. Em meio à polêmica das acomodações, o presidente da Áustria, Alexander van der Bellen, avisou que não virá ao Brasil por causa dos elevados custos. Membros de 27 países chegaram a endereçar uma carta ao governo brasileiro solicitando que o evento seja transferido para outra cidade, com maior disponibilidade de hospedagem.

A rede hoteleira de Belém conta com apenas 6 500 quartos para alojar os 50 000 visitantes esperados. O poder público então tratou de providenciar leitos em navios de cruzeiros e instalações coletivas em clubes, e convenceu moradores a abrir a própria residência a hóspedes — saídas que nem sempre satisfazem as exigências diplomáticas. Sem mecanismos para interferir nos preços, restou apelar para o bom senso. “Em busca de um lucro fenomenal nessas duas semanas, corremos o risco de deixar de faturar alto nos próximos anos”, desabafa André Godinho, secretário municipal da COP30, que ainda sonha ver Belém no circuito internacional do turismo.
Alertas diversos têm sido dados por entidades cuja presença é aguardada na conferência. O secretário do Clima da ONU, Simon Stiell, externou a integrantes da equipe brasileira sua preocupação de que o enrosco poderia fazer o governo “perder a narrativa”, ofuscando o debate em torno do aquecimento global em razão de um imbróglio logístico. A situação afeta países ricos como Noruega, Holanda e Canadá, que assinaram o documento pedindo a transferência da sede da COP, mas é particularmente preocupante entre os mais pobres. No início da semana, a Secop, órgão ligado à Presidência da República e criado para o evento, anunciou que vai garantir para cada uma das 73 nações desse grupo quinze quartos com diárias entre 100 e 200 dólares. Ajuda, mas nem de longe dissipa a avalanche de pontos de interrogação. “A perspectiva de ficarmos de fora da COP30 por uma questão hoteleira não seria apenas lamentável — seria uma grave falha em termos de inclusão e justiça”, disparou Evans Njewa, ministro do Meio Ambiente do Malawi, na África, e representante dos chamados LDCs, aqueles países que menos contribuem para a subida de temperatura do globo, embora sofram seus efeitos.
Apesar da pressão, o governo brasileiro tem reiterado que a conferência vai ocorrer em Belém e busca tranquilizar os participantes, ventilando a mensagem de que o problema será equacionado. Ainda se procura alcançar um acordo semelhante ao da Olimpíada do Rio, em 2016, quando um teto de preço foi definido. Por ora, porém, os estabelecimentos seguem reajustando a tabela. Outro dia, viralizou nas redes o surreal caso do hotel que mudou o nome — de Nota 10 para COP30 — e, após cosméticas melhorias, deu um salto de 70 para 6 300 reais na diária, noventa vezes mais.

Exemplos como esse fizeram a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, solicitar dados para comparar os valores praticados agora com os de outros momentos de alta, como a festa religiosa Círio de Nazaré. Mas poucos hotéis forneceram informações, alegando resguardar o sigilo dos clientes. Boa parte nem sequer respondeu. “Por isso, decidimos cortar a conversa com o governo federal e passar a negociar com a vice-governadora do estado”, conta Antonio Santiago, diretor da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Pará. Acabou elevando a fervura. “Antes de tomar as denúncias como verdadeiras, temos que solicitar informações às empresas. É nosso dever básico, não tem cabimento uma reação como essa”, rebate Wadih Damous, o titular da Senacon.
Enquanto a queda de braço não se resolve, os participantes seguem caçando alternativas. Daniel Calarco, coordenador da Rede de Ação Climática da Juventude da Unesco, que leva adolescentes para integrar as COPs mundo afora, já reduziu a caravana à metade, mas continua sem ter onde ficar com a garotada. “A conta da hospedagem está em 1 milhão de reais”, lamenta. A crise acontece num momento em que o Brasil trabalha para reafirmar a relevância dos fóruns multilaterais, enfraquecidos pelos Estados Unidos, que debandaram de acordos climáticos. “Mostrar resultados concretos na negociação é da maior importância”, enfatiza o professor de relações internacionais Carlos Gustavo Poggio. Que o Brasil aja rápido para que um tema de menor grandeza não comprometa debate tão vital para o futuro de todos. Ainda dá tempo.
Publicado em VEJA de 8 de agosto de 2025, edição nº 2956