Polícia do Rio ainda não divulgou antecedentes criminais de mortos
Até agora foram identificados 16 dos 25 corpos, sendo um policial, após operação na favela do Jacarezinho; ONU pede investigação independente
A Organização das Nações Unidas (ONU) pediu na manhã desta sexta-feira, 7, uma investigação independente ao Ministério Público sobre a operação da Polícia Civil do Rio de Janeiro na favela do Jacarezinho, Zona Norte da capital. O tiroteio deixou 25 mortos, sendo um policial. Em entrevista coletiva em Genebra, na Suíça, Rubert Colville, porta-voz dos Direitos Humanos da ONU, disse que existe um histórico de uso “desproporcional e desnecessário” da força pela polícia. Ele criticou também o fato de os locais das mortes não terem sido preservados, o que dificulta o trabalho da perícia para apurar as circunstâncias. VEJA questionou, mas, até o momento, a Polícia Civil ainda não divulgou quais são os antecedentes criminais dos 24 mortos na comunidade durante o suposto confronto com os agentes e os tipos de crimes cometidos por eles.
Desde junho do ano passado, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) permite apenas a realização das operações em “hipóteses absolutamente excepcionais”. “É particularmente preocupante que a operação tenha ocorrido apesar de uma decisão do STF, de 2020, restringindo as operações policiais em favelas durante a pandemia de Covid-19″, afirma Rubert Colville. “Pedimos que o promotor conduza uma investigação independente e completa do caso de acordo com os padrões internacionais”, completou. O porta-voz da ONU fez um alerta às autoridades brasileiras. “A força letal deve ser usada como último recurso e apenas em casos em que há ameaça iminente à vida ou de um sério perigo”, ressaltou Colville.
Em nota, a Polícia Civil diz apenas que o “laudo da inteligência” indica que os 18 primeiros mortos identificados tinham antecedentes criminais. “A ficha e as identificações de cada um serão apresentadas após exames de perícia e necropsia”, afirmou a corporação sem revelar os nomes e sem dar prazos. Na manhã desta sexta-feira, algumas famílias dos mortos estiveram no Instituto Médico-Legal (IML) para acompanharem a liberação dos corpos. A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) identificou 15. São eles:
– Rai Barreto de Araújo, 19 anos
– Romulo Oliveira Lucio, 20 anos
– Mauricio Ferreira da Silva, 27 anos
– Jhonatan araujo da silva, 18 anos
– John Jefferson Mendes Rufino da Silva, 30 anos
– Wagner Luís de Magalhaes Fagundes, 38 anos
– Richard Gabriel da Silva Ferreira, 23 anos
– Marcio da Silva, 48 anos
– Francisco Fabio Dias Araújo Chaves, 25 anos
– Toni da Conceição, 30 anos
– Isaac Pinheiro de Oliveira, 22 anos
– Cleiton da Silva de Freitas Lima, 27 anos
– Marcio Manoel da Silva, 31 anos
– Jorge Jonas do Carmo, 32 anos
– Carlos Ivan Avelino da Costa Junior, 32 anos
Pela manhã, houve protestos em um dos acessos à favela do Jacarezinho. Moradores seguravam faixas com pedido de Justiça. “Parem de matar”, dizia uma delas. No IML, parentes reclamaram da ação da Polícia Civil. A auxiliar de serviços gerais Daniele Pinheiro do Nascimento, de 25 anos, esposa de Jorge Jonas do Carmo, afirmou que o marido trabalhava como ajudante de pedreiro. “Ele já foi envolvido na vida do crime, mas cumpriu pena e desde então trabalhava como ajudante de pedreiro. Muita gente inocente morreu e vai ficar por isso mesmo porque, infelizmente, fomos esquecidos pelas autoridades”, disse Daniele. De acordo com ela e outros moradores da favela, não houve confronto, como a polícia alega e sim uma chacina. “Se havia dúvidas sobre meu marido e as outras pessoas, que a polícia os levasse para averiguações. Dói saber que mesmo num país onde não há pena de morte, o suspeito é condenado a morrer pelos próprios policiais. Infelizmente quem mora em favela não tem paz e a polícia entrou atirando nas vielas e casas. Meu marido havia saído para comprar pão e foi baleado na perna, mas aqui no IML soube que ele foi atingido a facadas. Esperava passar o dia das mães chorando de alegria, mas já sei que isso será impossível. Meu filho de 1 ano passou a madrugada chorando a morte do pai e eu chorei junto com ele”
Thayna Cristina, 27 anos, atendente de telemarketing, casada com Cleiton da Silva Freitas de Lima, contou que ele estava desempregado. “Nascemos e fomos criados no Jacarezinho. Mas, agora, não tenho mais vontade de ficar lá. Ele já havia sido espancado uma vez pelos policiais dentro de casa e, por isso, saiu ontem de manhã. Ele tinha medo de atirarem em mim e no nosso filho numa operação. Ele não tem passagem pela polícia, era um homem íntegro, bom pai e bom marido. Me ligou quando foi atingido na perna, estava vivo ainda. Aqui soube que levou um tiro na testa. Só quero justiça agora que minha vida acabou. O cenário depois que a polícia passou por lá era de guerra. O que aconteceu foi uma chacina”.
Na última quinta-feira, 6, horas depois da operação no Jacarezinho, a cúpula da Polícia Civil negou ter havido execuções. Na operação, foram apreendidas 16 pistolas, seis fuzis, 12 granadas, uma submetralhadora e uma escopeta, além de drogas. Em nota, o governo do Rio lamentou o ocorrido. “A ação foi pautada e orientada por um longo e detalhado trabalho de inteligência e investigação, que demorou dez meses para ser concluído. Para garantir a transparência e a lisura da operação, todos os locais de confrontos e mortes foram periciados. É lastimável que um território tão vasto seja dominado por uma facção criminosa que usa armas de guerra para oprimir milhares de famílias”. O governador Cláudio Castro (PSC) ainda não se manifestou publicamente.