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“Podemos mover ações contra outros veículos”, afirma defesa de Flávio

Em entrevista a VEJA, o advogado do senador alega que não está havendo censura e que vazamentos de documentos são frutos de atos criminosos

Por Sofia Cerqueira Atualizado em 8 set 2020, 12h18 - Publicado em 8 set 2020, 12h00

O criminalista Rodrigo Roca, 49 anos, contratado pelo senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no final de junho, fala a VEJA sobre a decisão da juíza Cristina Serra Feijó, da 33ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, de proibir, na sexta-feira 4, a TV Globo de exibir documentos do processo do esquema das rachadinhas no gabinete do então deputado estadual. Roca, que defende o filho Zero Um do presidente Jair Bolsonaro ao lado da irmã, a Luciana Pires, afirma que a decisão favorável a sua ação é “exemplo de democracia e não de censura”. Argumenta que exibir peças e documentos extraídos de autos é “antiético” e “um jornalista de posse de um material criminoso pode ser taxado de receptador”.

Entidades pró-liberdade de expressão, como a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), repudiaram veementemente a decisão da juíza de impedir a Globo de exibir documentos do processo da rachadinha no gabinete de Flávio. O que está acontecendo não é uma forma censura? Só posso atribuir essa postura ao desconhecimento. Talvez por causa dessa deturpação, a própria juíza tenha optado por divulgar sua decisão na íntegra. Qualquer associação que preze pela democracia deveria nos apoiar. O que nós pedimos foi o respeito ao sistema de freios e contrapesos da Constituição, muito usado e pouco compreendido.  A liberdade de imprensa não pode existir a qualquer preço ou custo, porque ela esbarra em outros direitos. Requeremos que essa liberdade fosse ponderada frente a um direito maior que não é só o da privacidade, mas que os operadores do direito raciocinassem sobre a questão de se obter informações sigilosas, que estão nos autos, usando meios criminosos. Não estou dizendo, ainda, que profissionais da imprensa pratiquem os crimes, mas recebem o produto.

Proibir a divulgação de papéis relevantes em um caso desta envergadura, que tratam de informações de interesse nacional, não é um modo de cercear o livre exercício da imprensa? Claro que não. A questão não é o espectro do interesse nacional ou local, mas como esses documentos foram obtidos. Exibiram o extrato bancário e o imposto de renda do senador em vídeo. Não é possível que um jornalista comprometido com a ética entenda como razoável fazer uma reportagem nessas condições. O jornalista de posse de um material criminoso, como qualquer pessoa, pode ser taxado de receptador. O que se pretendeu com essa ação foi neutralizar um mercado criminoso que acabou caindo no veio da normalidade.

Isso não abre um precedente complicado, uma vez que pode frear toda a imprensa, ferindo um direito constitucional da sociedade de ser livremente informada? Não. Mas pergunto: a imprensa só pode trabalhar se for baseada no produto de um crime? A democracia não existe sem a imprensa, ninguém pode duvidar disso. Não é possível, no entanto, que se entenda como concebível que a imprensa trabalhe em cima de algo que estava em sigilo, obtido de forma criminosa e ache que não tem responsabilidade. No nosso caso, participamos de audiências de tarde e, quando chega à noite, vejo as informações e documentos estampados no horário nobre, dados por alguém de terno e com o sorriso transverso, achando que ele é merecedor de prêmios por isso. Essas peças são traficadas, não são obtidas legitimamente.

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Por que a TV Globo, especificamente? A questão não é por ser a Globo, mais foi ela quem noticiou primeiro, com orgulho, aliás, que teve acesso a tais informações. Não teve acesso, alguém praticou um crime até chegar à emissora. Ou ela foi buscar, sabe-se lá de que maneira. Se o estado é democrático e de direito, é preciso que se respeite o sigilo judicial. Todo mundo deve ser informado, mas não pode ser balbúrdia. O que estamos buscando não é a censura, mas o contrário, o restabelecimento da democracia.

Há intenção da defesa do senador de fazer o mesmo com outros veículos de imprensa? A Globo foi a primeira emissora que se intitulou possuidora de documentos frutos de autos sigilosos. Mas se fossem dois ou todos os veículos a divulgar essas informações, faríamos ações contra todos eles. É preciso repensar os limites éticos. Por questão de coerência, vamos entrar, se necessário, com ações contra outros veículos que divulguem documentos obtidos de forma criminosa.

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Com tantas evidências, vazadas ou não, não está claro que houve um esquema de rachadinha no gabinete de seu cliente quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro? Evidente que não. Ainda estamos numa investigação inicial, numa fase pré-processual. Vou até poupar a senhora de dizer o que poderia soar demagógico, dizer aqui que todos são inocentes até que se declare o contrário. A questão não é essa. A questão é que não houve oportunidade nem sequer para se desenvolver uma tese, nem mesmo acusatória. A prova disso é que não há denúncia até o momento. Em dez volumes de investigação, o senador não havia sido ouvido. Há muita coisa para ser apurada. Conclusões hoje estão sendo tiradas por meio de tiras, de informações enxertadas, mal compreendidas e vendidas.

Se Flávio Bolsonaro não tem nada a temer, por que tanto receio de que se exiba informações extraídas dos autos do processo? A questão não é o receio da exibição dos documentos, mas com o princípio do vazamento.

O presidente Bolsonaro está acompanhando de perto o desenrolar do processo? O interesse e o acompanhamento do presidente da República não são do nosso conhecimento.

As investigações mostram que Fabrício Queiroz recebeu mais de 2 milhões de reais em 483 depósitos de outros assessores do gabinete de Flavio na Alerj. Como operador do esquema, segundo os investigadores, pagou inclusive contas pessoais do hoje senador e teria lavado dinheiro por meio de imóveis e de sua loja de chocolates. Seu cliente tem receio de uma eventual delação premiada de Queiroz? As pessoas precisam usar o futuro do pretérito o tempo inteiro para falar disso. Porque teria, porque seria, porque deveria? Nós não advogamos para este senhor, não há qualquer tipo receio neste sentido. Nós somos os primeiros a fomentar a boa instrução e a conclusão da investigação. Não há qualquer tipo de retardamento ou de manobra – nem mesmo as manobras legais nós estamos usando. Tudo que foi dito acima é com base em informações dadas pela imprensa, sobre vazamentos que não se sabe como foram obtidos.

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Repito, o seu cliente tem receio de uma eventual delação premiada de Queiroz? Se tivéssemos receio não teríamos requerido a oitiva do senador. Não há receio. Tudo precisa ser explicado no seu devido momento. A lei estabelece etapas para cada procedimento. O que acontece é que algumas pessoas procuram adiantar fases, incitando a população ao pré-julgamento com interesses que nós sabemos quais são, principalmente num ano de eleições. Querem denegrir e comprometer a imagem do senador perante a população, movidos por interesses inconfessáveis.

O Ministério Público do Rio recorreu da decisão do Tribunal de Justiça de conceder foro privilegiado a Flávio e tenta suspender esse direto perante o Supremo Tribunal Federal, que ainda não se manifestou. O senhor trabalha com a possibilidade de seu cliente perder o foro? Não trabalhamos com derrota. A lei determina expressamente a prerrogativa de foro no julgamento deste caso. O MP do Rio está lançando mão de tudo aquilo que entende cabível, embora não seja. Ainda não há uma posição do STF sobre o tema. A corte não se decidiu sobre o que se fazer quando há subsequência de mandatos, sem hiato de tempo, por fatos ligados ao cargo anterior. Há um precedente muito parecido, que foi tomado por uma turma, não pelo plenário. Acredito que a suprema corte venha a uniformizar esse entendimento.

 O Ministério Público Federal negou o pedido de seu cliente para suspender a acareação, marcada para o próximo dia 21, entre ele e o empresário Paulo Marinho, na investigação do vazamento de informações da operação Furna da Onça. O que o senhor fará? Ainda não fomos notificados oficialmente. Se essa informação for verdadeira, dando os ombros para a prerrogativa do senador de ajustar data, local e horário para a oitiva, precisaremos judicializar a questão.

O senhor defendeu, em 2014, o general José Antônio Belham, que comandou o Departamento de Operações de Informações (DOI) no período em que o ex-deputado Rubens Paiva foi torturado e assassinado (1971). A esposa de Belham foi assessora de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. O senhor já tinha advogado para o clã Bolsonaro antes? Não, nunca tinha advogado para nenhum deles. Eu conheci o presidente da República em outra ocasião, quando ainda era deputado federal. Ele estava apenas acompanhando um militar, que havia se consultado comigo. Há 23 anos tenho uma militância intensa e vívida com o que eu chamo de família militar, sobre tudo membros do exército e da aeronáutica. No caso do Flávio, a minha irmã, a doutora Luciana, já estava com o senador há cerca de um ano. Eu passei a advogar para ele em junho.

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Antes de defender o senador, o senhor defendeu o ex-governador Sergio Cabral, condenado até agora a 294 anos de prisão. Por que deixou o caso? Porque ele resolveu fazer delação. É uma convicção minha não advogar para delatores. Não compactuo com isso pessoalmente, socialmente, moralmente e juridicamente.

O Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc) do MP do Rio concluiu as investigações sobre o esquema das rachadinhas no gabinete de Flávio no último dia 31. Como avalia as chances de condenação de seu cliente? Condenado? Não cogito dessa hipótese. Seria de uma injustiça com poucos precedentes na história do judiciário fluminense. Ainda estamos na fase da investigação, tenho certeza de que a denúncia virá. Se não for pelo direto, será pela vontade política. Mas não acredito que isso vá culminar numa condenação.

Como tem tanta certeza? Qualquer um que leia os dez volumes da investigação como eu li, pode ter uma dúvida sobre a ocorrência de algum delito por parte do senador. Mas qualquer um que entenda mesmo os dez volumes da investigação, como eu entendi, vai ter a certeza de que ele não tem nada que ver com isso.

Posso escrever que isso tudo é uma conspiração contra o filho do presidente? Escreva que criou-se uma histeria coletiva em relação ao tema, potencializada por se tratar do filho do presidente da República.

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