Os movimentos de Sérgio Cabral para voltar a se destacar na política do Rio
Ativo nas redes e nas costuras de bastidor, o ex-governador vem discretamente prestando assessoria a parlamentares do estado
Autorizado a se movimentar pela cidade, sempre de tornozeleira eletrônica, o ex-governador fluminense Sérgio Cabral não é daquelas figuras que fogem dos holofotes. Muito pelo contrário. Desde o ano passado, Cabral tem se dedicado com afinco à vida de “blogueirinho”, com vídeos em que aparece se exercitando, dando dicas de livros, filmes e séries, falando de MPB e em posts nos quais apresenta o que chama de legado da época em que mandava no Palácio Guanabara, no Rio de Janeiro. A atividade nas redes é a parte visível de uma intensa atividade do ex-cacique do MDB no sentido de tentar limpar a imagem e voltar a dar as cartas na política estadual, num esforço para passar uma borracha nos seis anos e 22 dias que amargou na cadeia por corrupção e outras malfeitorias destrinchadas na Operação Lava-Jato.
Nessa empreitada, discretamente, vem prestando assessoria a parlamentares do estado. Diversos políticos ouvidos por VEJA garantem que os nomes que hoje se aconselham com ele vão de prefeitos eleitos do interior ao governador Cláudio Castro e ao presidente da Assembleia Legislativa, Rodrigo Bacellar. Tudo, segundo pessoas próximas, de olho em uma candidatura a deputado federal em 2026, sonho ainda impossível juridicamente. Aos 61 anos, Cabral posta vídeos em plena musculação na mais badalada academia do Leblon (de calça de moletom e meias escuras para esconder a tornozeleira), enquanto tece novos elos na política local.
As conversas entre ele e o governador, por exemplo, teriam ficado mais frequentes nos últimos meses, quando Castro enfrentou trocas no comando da segurança e embates com o prefeito Eduardo Paes. Questionado se o consulta e se foi a sua cobertura na Lagoa, Castro informou que “nunca esteve pessoalmente com o ex-governador Sérgio Cabral e que é mentirosa a informação de que visitou sua residência”. Sobre os contatos, nada disse. Já Bacellar, que emprega o filho de Cabral, Marco Antônio, na presidência da Alerj, não esconde a ligação: “Tenho relação de amizade e respeito pelo ex-governador, diferente de muitos que eram bem mais próximos do que eu e hoje fingem não conhecer e viram as costas”.
Integrantes da turma próxima a Cabral dizem que, na última campanha eleitoral, ele prestou consultoria de estratégia e comunicação a pelo menos oito candidatos a prefeito do interior eleitos pelo PL, PP, Republicanos e União Brasil — sem contar os palpites informais a um leque bem maior. Um deles seria Léo Vieira (Republicanos), em São João de Meriti, que, procurado para falar do assunto, não retornou. Outro da lista é Dr. Serginho (PL), futuro prefeito de Cabo Frio, que em nota afirma não ter contratado Cabral. O único que admitiu ter tido “encontro de cortesia” com o ex-todo-poderoso do estado foi Leonardo Vasconcellos (União Brasil), que venceu em Teresópolis. “Estive com ele no início da campanha, em sua casa, para ouvir a experiência de quem governou o estado”, diz Vasconcellos.
Cabral continua tendo Paes no rol de desafetos, mas mantém contato com o deputado Pedro Paulo, braço direito do prefeito. Segundo Pedro Paulo, as mensagens de WhatsApp entre os dois giram em torno de gargalos da cidade. “Na última, fez um pedido de limpeza em nome de uma liderança comunitária. Eu apenas encaminho na prefeitura”, esclarece. Repousa no gabinete do alcaide a esperança de Cabral de ver o filho Marco Antônio, segundo suplente do MDB, sentar-se na Câmara dos Deputados em Brasília. Isso porque o dono da vaga, o pastor Otoni de Paula, é um dos cotados por Paes para seu novo secretariado, e o primeiro suplente, Leonardo Picciani, está na Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental.
No apartamento da Lagoa, Cabral recebe aliados para almoços e jantares, tentando pavimentar um futuro político incerto. Depois de driblar 23 condenações e pena de 425 anos de prisão, restam no seu currículo três processos com decisões em segunda instância que o impedem de se candidatar, por causa da Lei da Ficha Limpa. No mês passado, sua defesa solicitou ao Supremo Tribunal Federal que seja estendida a ele a decisão que beneficiou o empresário Marcelo Odebrecht ao anular atos do ex-juiz Sergio Moro. O ministro Dias Toffoli, porém, recém avaliou que a questão não caberia ao STF — e os advogados agora miram o Superior Tribunal de Justiça. Um amigo que segue solidário diz: “Todo mundo sabe quem é o Ali Babá, mas ninguém se lembra dos quarenta ladrões, os outros implicados na Lava-Jato”.
Uma especialista em redes foi contratada para alimentar o perfil de gestor progressista de Cabral. Recentemente, parabenizou a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) “por levantar esse tema da carga horária de trabalho” no Congresso. Entre as últimas dicas estão o livro Cinco Dias em Lyon: Uma Aventura na Cozinha Francesa, de Bill Buford, e o filme Golpe de Sorte em Paris, de Woody Allen. No capítulo das artes audiovisuais, um amigo garante que ele quer porque quer transformar a própria trajetória em filme ou série. Procurado por VEJA, o ex-governador preferiu não se pronunciar. Nos bastidores e nas redes, porém, ele não para de falar.
Publicado em VEJA de 6 de dezembro de 2024, edição nº 2922