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Os mistérios do ex-sargento da comitiva de Bolsonaro preso com cocaína

O ex-militar detido com 37 quilos da droga na Espanha sentará novamente no banco dos réus do Superior Tribunal Militar

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h24 - Publicado em 3 mar 2023, 06h00

Preso em 2019 na Espanha carregando 37 quilos de cocaína ao desembarcar de um avião oficial de apoio da comitiva presidencial, o ex-sargento da Força Aérea Brasileira (FAB) Manoel Silva Rodrigues passou dois anos em uma cadeia em Sevilha, até ser transferido para o Centro Penitenciário de Málaga II, localizado também no sul do país europeu. Ali, trabalha numa espécie de cantina e recebe 65 euros por semana. No contato com os demais presos, queixa-se de que é tratado de forma diferente de outros estrangeiros. Em carta enviada à Justiça espanhola em março do ano passado, à qual VEJA teve acesso, Manoel, que diz estudar inglês a distância, fez dois pedidos: ser expulso do país para cumprir o resto de sua pena de seis anos de cadeia no Brasil ou pelo menos ser transferido de unidade prisional. “Tenho consciência da gravidade do meu delito, estou profundamente arrependido, mas tenho minha família no Brasil e meu filho mais novo tem suspeita de autismo e necessita fazer uma cirurgia”, escreveu. Ambos os pedidos foram negados.

O caso da prisão de Manoel, ocorrida logo no início do governo de Jair Bolsonaro, gerou muito barulho. Os 37 qui­los de cocaína, avaliados em 6,3 milhões de reais, decolaram de solo brasileiro nas mãos de um sargento em um voo oficial graças a uma falha de segurança nos procedimentos da base aérea, que permitiu o embarque da droga. Em meio à repercussão internacional do episódio, o jornal francês Le Monde chamou o avião da comitiva de Bolsonaro de “Aerococa” e se referiu à prisão em Sevilha de tripulante por tráfico de drogas como “Bolsonarcos”. O então presidente reagiu dizendo que era “brincadeira” a tentativa de vinculá-lo ao crime. Até agora, a verdade é que não apareceu ninguém nas investigações ligado ao governo da época.

CARGA - A mercadoria apreendida no aeroporto europeu: 6,3 milhões de reais
CARGA - A mercadoria apreendida no aeroporto europeu: 6,3 milhões de reais (Guarda Civil da Espanha/Divulgação)

Além da punição na Espanha, a Justiça Militar brasileira condenou Manoel a catorze anos por tráfico. Ele responde ainda a outros processos relacionados a crimes como lavagem de dinheiro. Segundo a PF, o então sargento das Forças Armadas fez pelo menos mais cinco entregas de drogas em seis meses dentro do mesmo esquema, sendo quatro no Brasil e uma na Espanha (dois meses antes de ser preso, esteve em Madri). Devido a esses outros casos, no próximo mês o ex-militar sentará novamente no banco dos réus do Superior Tribunal Militar, de forma virtual, e pode receber outra pena, de até doze anos de cadeia.

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VEÍCULO - Avião da FAB: outras cinco viagens foram feitas pelos traficantes
VEÍCULO - Avião da FAB: outras cinco viagens foram feitas pelos traficantes (Isac Nóbrega/PR)

Apesar de alguns avanços na investigação, faltam ainda descobrir se o esquema de tráfico é maior do que aparenta ser e de quem a quadrilha comprava a cocaína. Manoel era apenas o transportador da droga (mula) e agiu juntamente com outras seis pessoas. Um dos nomes apontados como integrante da quadrilha é o do sargento da FAB Jorge Luiz da Cruz Silva. Salve Jorge, como ele é mais conhecido, seria o elo entre Manoel e os donos da cocaína. Salve Jorge é uma figurinha carimbada no cenário político-militar de Brasília. Candidato a deputado distrital na campanha passada pela cidade (não conseguiu ser eleito), ele foi preso (e solto) em 2022, no âmbito das investigações da PF no caso de associação ao tráfico. Segundo a PF, Salve Jorge atuava para dois supostos traficantes de Brasília, Marcos Daniel Penna Borges (conhecido como Chico Bomba) e Michelle Tocci. Todos estão denunciados na Justiça Militar e negam as acusações.

DENUNCIADO - O sargento Salve Jorge: suspeito de ser o elo entre os comparsas e os donos da droga
DENUNCIADO - O sargento Salve Jorge: suspeito de ser o elo entre os comparsas e os donos da droga (@salvejorge.df/Instagram)

Outra envolvida no caso é a mulher de Manoel, Wilkelane Nonato Rodrigues, que chegou a ser presa e agora responde em liberdade ao crime. Manoel e Wilkelane, conhecida como Will, também são alvos de uma terceira ação, na Justiça Comum, por lavagem de dinheiro. No aparelho celular de Will, apreendido pela PF, os investigadores encontraram um vasto histórico de mensagens que mostraram, ao longo de seis meses, diversas discussões por falta de dinheiro. O ex-sargento era conhecido entre os colegas por viver fazendo empréstimos com eles.

Passado um tempo, os problemas financeiros desaparecem nas mensagens e há várias conversas girando em torno de aquisições. Entre os bens comprados estão uma moto Honda 750X, paga com dinheiro vivo (32 900 reais), além de móveis e eletrônicos, no total de 26 000 reais. A mulher também mantinha em casa 40 000 reais em espécie. Para cada quilo de entorpecente carregado e entregue, Manoel recebia 1 000 dólares. Esse dinheiro acabou com a penúria do casal e elevou o padrão de vida da família — até a lucrativa operação de tráfico intercontinental ser abatida ao pousar em Sevilha.

Publicado em VEJA de 8 de março de 2023, edição nº 2831

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