“Imagine no verão.” O que seria o comentário de sempre, o simpático início de conversa de quem não sabe o que dizer, virou coisa séria, grito de alerta ante um incômodo inédito. Na semana passada, as temperaturas de primavera subiram muito acima do normal. Em quase 1 500 cidades do país — à exceção da Região Sul, onde choveu a cântaros —, os termômetros subiram 6 graus acima da média para esta época do ano. No Rio de Janeiro, a sensação térmica passou dos 58 graus (repita-se: 58 graus). Em São Paulo, sem a brisa do mar, entre o concreto e a fumaça, encostou em 41 graus reais. Parece evento extraordinário, acelerado pelo fenômeno meteorológico do El Niño, que afastou a proteção das nuvens em céu claro em demasia, por dias seguidos, e há verdade nessa afirmação. Convém, contudo, um olhar histórico para perceber mudanças que não vêm de hoje. Entre 2011 e 2020, o Brasil registrou 52 dias com ondas de calor intenso. O índice representa quase oito vezes o total verificado nos trinta anos entre 1961 e 1990. O resultado imediato, agora, foi um recorde na demanda instantânea de energia elétrica, em busca por ambientes climatizados. Não é o fim do mundo, sobreviveremos, suando, em casos mais graves adoecendo ou morrendo, mas o espanto embute uma mensagem para o futuro: é preciso controlar já, sem demora, a mão suja do ser humano, atalho para os extremos ambientais. É emergência que precisa ser ouvida pelos cidadãos, pelas empresas, mas sobretudo ser respeitada pelas políticas governamentais. Não há outra saída.
Publicado em VEJA de 17 de novembro de 2023, edição nº 2868