Enquanto o governo festeja a queda do desmatamento na Amazônia, a devastação parece fora do controle no Cerrado. De janeiro ao início de novembro, o bioma perdeu 6.939 quilômetros quadrados de vegetação, 57% a mais do que em 2019, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe). Trata-se do maior desmatamento da série histórica. Na Amazônia, no mesmo período, a supressão da floresta foi de 9 mil quilômetros quadrados, o menor índice desde 2021, quando a região teve o maior o índice: 13.038 quilômetros quadrados de área devastada. Diante de resultados tão diferentes surge a pergunta: o que está dando tão errado com o Cerrado?
Quando se fala em Amazônia, a importância desse bioma já foi incorporada pelo subconsciente do planeta. O mesmo não acontece com o ecossistema vizinho. “É preciso valorizar o Cerrado como um sistema importante ao meio ambiente e não apenas pelo potencial econômico, ligado ao agronegócio”, diz Ane Alencar, coordenadora do MapBiomas Cerrado e diretora de Ciência do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia). Trata-se de uma região que bombeia água para a maior parte das bacias hidrográficas do Brasil. Além disso, é um ecossistema especial e rico, por estar em contato com diferentes regiões, como a caatinga, a Mata Atlântica e a Amazônica. “O desmatamento acelerado já trouxe problemas para o Matopiba (região que engloba Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), onde o MapBiomas registra aumento de áreas de irrigação, devido a ausência de água nos rios.”
A falta de valorização do Cerrado, quando comparado com a Amazônia, se reflete na própria legislação, que permite maior supressão de vegetação em um bioma do que no outro. Sancionado em 2012, o Código Florestal determina a proteção de 20% das propriedades do Cerrado localizadas em área de reserva legal. O limite sobe para 35%, quando estão dentro dos limites da Amazônia. Mas se a propriedade apresentar bioma da Amazônia, a lei obriga a preservar 80% da área. A diferença de tratamento entre os dois sistemas diferentes, mas igualmente importantes para o meio ambiente, é resultado de uma série de acordos políticos com o agronegócio, setor que foi responsável por 27% do Produto Interno Bruto do país.
Com uma legislação mais flexível que na Amazônia, o governo fica de mãos atadas, muitas vezes. Até porque a maior parte do desmatamento acontece em propriedades privadas, ao contrário da Amazônia, onde o desafio é a terra pública. Matopiba concentra 77% dos alertas de desmatamento desde novembro de 2022. Diante do panorama, uma das saídas, segundo especialistas, é o governo federal lançar medidas que incentivem a proteção nessas propriedades.