O PT, o PCC e a morte de Celso Daniel
Segundo Marcos Valério, a aproximação do partido com a organização criminosa começou nos anos 2000
Em sua edição passada, VEJA revelou o conteúdo de um depoimento sigiloso prestado por Marcos Valério em que ele cita Lula como mandante do assassinato do prefeito Celso Daniel. O ex-operador financeiro do PT também confirmou que o empresário Ronan Maria Pinto chantageara o partido e recebera 6 milhões de reais para manter em segredo o envolvimento do ex-presidente. A novidade provocou a reabertura do inquérito e reforça a tese de que o prefeito não foi vítima de um crime comum, como concluiu a polícia. De acordo com Valério, Celso Daniel foi morto depois de produzir um dossiê no qual relatava à direção do partido os múltiplos esquemas de corrupção que funcionavam na prefeitura de Santo André e arrecadavam propina de empresas de ônibus, de limpeza, de casas de bingo e até de perueiros. O dinheiro obtido financiava as campanhas eleitorais do PT e bancava as despesas pessoais de seus dirigentes.
No depoimento, Marcos Valério contou que muitos desses detalhes lhe foram narrados pelo ex-deputado Professor Luizinho num encontro que os dois tiveram, em 2004, para acertar a melhor forma de comprar o silêncio do chantagista, que ameaçava tornar público o envolvimento de Lula e de outros petistas no crime. “O Professor Luizinho disse que a arrecadação de propina na prefeitura era feita com a aquiescência da direção do PT”, afirmou Valério. Os negócios envolveriam, inclusive, uma parceria entre os petistas e o PCC, o grupo criminoso que atua dentro dos presídios. Segundo o operador, a aproximação do PT com o PCC começou nos anos 2000, quando o crime organizado passou a financiar algumas campanhas políticas do partido. Celso Daniel sabia da parceria, mas desconhecia a dimensão que ela havia atingido. “Pelo que o professor (Luizinho) me falou, esse dossiê tinha o propósito de acabar com a roubalheira”, disse Valério.
Celso Daniel foi sequestrado, torturado e morto em 2002 por assaltantes ligados ao PCC. Não seria coincidência, de acordo com o operador. O Professor Luizinho suspeitava que o prefeito tivesse sido morto por homens que estariam atrás do tal dossiê. Valério reproduziu o que teria ouvido do deputado: “‘Uma coisa, Marcos, é você ser assaltado, outra coisa, Marcos, é você ser assaltado e torturado’. Significa que eles estavam atrás de alguma coisa, na minha opinião, do dossiê”. A VEJA, o Professor Luizinho disse que nunca discutiu esse assunto com Marcos Valério. Ao reabrir as investigações do caso, o MP vai apurar se o crime teve motivação política.
Durante o primeiro governo Lula, Valério operou um caixa usado para recolher propina, subornar políticos e pagar despesas do partido e de seus dirigentes, incluindo os gastos pessoais do então presidente. Condenado a quarenta anos de prisão no caso do mensalão, atualmente cumpre pena em regime semiaberto. Entre outubro de 2018 e fevereiro deste ano, ele prestou vinte horas de depoimento, sendo três delas exclusivamente sobre o crime de Santo André. O operador disse estar convicto das ligações entre o PT e o PCC. Teve certeza disso em 2008, quando ameaçou revelar essa conexão e foi espancado dentro de um presídio em São Paulo onde estavam presas várias lideranças da organização. Apanhou tanto que perdeu os dentes. “Preciso de mais para mostrar o envolvimento do PCC com o partido?”, indagou Valério.
Publicado em VEJA de 6 de novembro de 2019, edição nº 2659