O promotor Luciano Mattos assume o estratégico comando do MP do Rio
É ali onde desembocam casos de alta delicadeza por envolver figurões da República
A chefia do Ministério Público do Rio de Janeiro, hoje no epicentro de alguns dos casos mais espinhosos da política nacional, se transformou em um cargo estratégico e cobiçado. Com um monte de figurões da República na mira, as investigações tocadas ali têm potencial para chacoalhar as placas tectônicas do poder. Pois a cadeira que tanto atrai as atenções em Brasília acaba de trocar de dono: o leme passou às mãos do promotor Luciano Mattos, 52 anos, conhecido pelo traquejo político e com fama de conciliador. A ele caberá reger um órgão que vem cavucando fundo em gabinetes do mais graduado escalão. Só para dar um aperitivo, entre suas missões imediatas está convencer o Órgão Especial do Tribunal de Justiça fluminense a acolher a denúncia que envolve o senador Flávio Bolsonaro, primogênito do clã presidencial, no ruidoso escândalo da “rachadinha” — esquema de desvio de verbas implantado na Assembleia Legislativa do Rio quando era deputado estadual, segundo o próprio MP. “Tenho consciência das dificuldades, mas me considero preparado e lutarei incansavelmente”, declarou a VEJA o novo procurador-geral de Justiça do estado.
A chefia do MP do Rio é função tão relevante no xadrez do poder que a escolha do nome para suceder Eduardo Gussem incluiu altas movimentações. Dias antes de o governador em exercício, Cláudio Castro, bater o martelo, o influente procurador Marfan Vieira, que ocupou o posto máximo no MP por quatro mandatos, esteve no Palácio Guanabara. Ele ainda se recuperava das sequelas da Covid-19 quando desembarcou de uma ambulância, sentado em cadeira de rodas, e foi defender Mattos, seu candidato. Na eleição interna em que votam promotores e procuradores, da qual resulta uma lista tríplice, ele aparecia na dianteira, mas o governador poderia pinçar qualquer um dos três nomes.
Castro fez uma série de consultas antes de tomar sua decisão. Pesou em favor de Mattos, além do firme apoio de Marfan, o fato de manter bom trânsito com parlamentares e integrantes da cúpula do governo estadual. Ventilada para a família Bolsonaro, a indicação não sofreu resistência. O clã preferia ver no cargo o procurador Marcelo Monteiro, que posou nas redes com uma camisa pró-Bolsonaro na campanha de 2018. Mas ele terminou em quarto lugar na disputa. “Não vemos problema em Mattos, desde que o trabalho dele não vire um espetáculo midiático”, falou ao governador um aliado dos Bolsonaro. Foi um bom lance para Castro. Ao fechar com o primeiro colocado da lista, não feriu a tradição da corporação que neste momento o investiga.
Antes mesmo da posse de Mattos, na sexta-feira 15, circulava sua intenção de comandar mais de perto investigações de crimes atribuídos a pessoas com foro especial, entre deputados, prefeitos, secretários e o próprio primogênito do presidente. No colo do novo chefe do MP caiu ainda outra investigação de elevada delicadeza: a que apura funcionários-fantasmas e prática de rachadinha no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro, o filho Zero Dois — paira sobre ele a suspeita de ter empregado sete parentes de Ana Cristina Valle, ex-mulher de seu pai. Sob sua gestão, constam também a busca pela solução do assassinato da vereadora Marielle Franco e incontáveis propinodutos, como aquele que levou à prisão o ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella a nove dias do fim do mandato.
Casado, pai de dois filhos e natural de Niterói, na região metropolitana do Rio, Mattos começou a trabalhar aos 15 anos como auxiliar de cartório e tornou-se promotor aos 27. Atuou em cidades do interior do estado e ganhou destaque ao combater a especulação imobiliária justamente em Niterói, onde enfrentou empreiteiras com ações judiciais. Lembrado pelos pares como “vascaíno doente”, viaja para seu sítio na serra fluminense, adora comida portuguesa regada a bons vinhos e é dado à conversa. Ele ocupou a presidência da Associação do Ministério Público por três mandatos seguidos, angariando a simpatia da classe, por quem vira e mexe advogava em Brasília, brigando por salários e se pondo contra a PEC que pretendia proibir o MP de exercer atividades investigatórias. Como promotor, livrou-se de saias-justas sem arranhar a imagem. “Ele é tido como moderado, não faz perseguição política”, comenta um membro da cúpula do governo estadual. Segundo gente próxima a Mattos, ele promoverá uma dança das cadeiras em funções-chave do MP — movimentação que certamente ecoará nas mais elevadas esferas.
Publicado em VEJA de 20 de janeiro de 2021, edição nº 2721