
Dilma Rousseff teve uma ideia. O ano era 2011 e a presidente queria baixar a taxa de juro no Brasil — seria a sua marca. Um presidente do Banco Central obediente foi escalado para conduzir a tarefa. Começava a ruir a arquitetura econômica “neoliberal” e entrava em cena a Nova Matriz Econômica. Para nosso azar — mas não surpresa —, a inflação começou a subir. Dilma teve então outra ideia: por que não segurar o preço dos combustíveis? E mais uma: que tal intervir no preço da energia elétrica? Algumas ideias depois, nossa maior empresa estava de joelhos, o setor elétrico se desordenava, a inflação disparava, o déficit público saía do controle e a economia começava sua descida ao inferno. Para o PT, claro, sua queda deveu-se ao “golpe”.
Jair Bolsonaro teve uma ideia. Para curar os males de nossa educação, precisamos remover das escolas a ideologia de gênero e o “marxismo cultural”, como qualifica o novo chanceler. Um ministro alinhado a esse pensamento já foi escalado para tocar a obra. No Brasil real, a vida segue como bem sabemos: a avaliação mais recente constatou que apenas 1,6% dos alunos ao final do ensino médio alcançam nível adequado de aprendizagem em português, e 4,5% em matemática.
Bolsonaro também tem ideias sobre o meio ambiente. Primeiro, quis extinguir o ministério e fundi-lo com o da Agricultura. A mensagem que ficou: em nome da produção, podemos violar nossas (boas) regras ambientais. Felizmente, o plano foi abortado. O presidente eleito acaba de anunciar que o Brasil desistiu de sediar a Conferência do Clima da ONU no próximo ano. Um motivo, segundo ele, é a economia de gastos. Aplauso. Mas há também a explicação mais obscura sobre o avanço estrangeiro na nossa Amazônia. No geral, a sensação é que o discurso ambiental será relegado ao quinto plano.
Eduardo Bolsonaro também tem ideias. Em visita aos Estados Unidos, reafirmou a nova postura brasileira no front externo: seremos leais aos americanos e contrários aos chineses — justo eles, nossos principais compradores de bens primários. O deputado anunciou que a mudança da Embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém é uma “decisão tomada”. São atitudes contrárias à tradição pragmática das nossas relações externas. E que podem cobrar um preço alto — especialmente no agronegócio, pilar mais bem-sucedido da economia brasileira.
Ideias, como sabemos, podem ser boas ou más. O fenômeno das ideologias é recente historicamente, dos últimos dois séculos. Foi o suficiente para vivermos algumas das maiores tragédias de nossa história — em nome de ideias.
O coração do governo — a economia — está preservado dessa visão mais estreita. É o que permite um olhar otimista: além de opções corretas na orientação econômica, o superministro Paulo Guedes escolheu um time muito forte. Isso está estimulando o espírito animal do empresariado, para usar a expressão famosa de Keynes.
Mas economia não é tudo, e áreas vitais para o nosso futuro parecem aprisionadas pela ideologia. É do jogo: assim como Dilma, Bolsonaro foi eleito e tem legitimidade para tocar sua agenda. Mas será, então, que só trocamos de problema?
Publicado em VEJA de 5 de dezembro de 2018, edição nº 2611