O grande estrago do pequeno garimpo, que é defendido por Bolsonaro
Decreto governamental arrisca agravar a situação que já é fora do controle da chamada 'mineração artesanal'
Um decreto com novos incentivos para o garimpo na Amazônia, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro nesta segunda-feira, 4, arrisca agravar uma situação que já é considerada fora do controle. Com alto impacto no meio ambiente e na saúde da população, o garimpo já ocupa área total maior do que a da mineração industrial no país, segundo mapeamento por satélite da rede de ONGs MapBiomas.
O governo federal agora criou o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mape), com o objetivo de estimular o garimpo. A atividade já está em alta vertiginosa nos últimos anos. Apenas em 2019 e 2020, dois primeiros anos do governo Bolsonaro, uma área equivalente a 16.000 campos de futebol foi devastada por garimpos. O Brasil já tem uma das maiores áreas ocupadas por mineração no mundo, e 52% desse total é de garimpos onde quase não há controle ambiental.
O decreto determina ainda que a Amazônia Legal será a região prioritária para a implementação do programa. É justamente a área onde o crime ambiental ocorre com mais frequência: cerca de 90% do ouro irregular extraído no Brasil entre 2019 e 2020 teve origem justamente na Amazônia Legal, segundo estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com o Ministério Público Federal (MPF). Quase um terço do ouro extraído no país tem origem ilegal.
“Esse decreto tenta normalizar a situação que há no garimpo hoje, que é uma calamidade”, diz o coordenador-geral da MapBiomas, Tasso Azevedo. “Para a soja, pecuária, extração de madeira, em todos esses casos há vários exemplos que poderiam ser seguidos para mudar a situação da Amazônia. No caso de garimpo, desconheço qualquer exemplo que se possa dizer que há base sustentável.”
O garimpo é conhecido pelo grave dano ambiental nos leitos de rios, e os riscos à saúde da população no entorno. Dezenas de estudos científicos têm apontado para a alta concentração de mercúrio no organismo de moradores das regiões próximos a garimpos na Amazônia. O metal é usado em grandes quantidades para separar o ouro da areia e das rochas, e contamina a água, o solo e o ar. A contaminação, muitas vezes levada por peixes às comunidades ribeirinhas e indígenas dos arredores, provoca graves danos neurológicos, dificuldade de aprendizado e a mortes. Além disso, o uso de dragas para no fundo dos rios devasta a área do entorno e também leva à proliferação de doenças.
As diretrizes do Pró-Mape citam a criação de políticas para facilitar a mineração de pequeno porte e reduzir a burocracia entre órgãos do governo, uma forma de acelerar a autorização para o funcionamento de garimpos. A formalização da atividade também está entre os objetivos do programa.
Infrações revogadas
Bolsonaro também editou, nesta segunda, outro decreto que altera regras da mineração do país. Uma das mudanças diz que a Agência Nacional de Mineração (ANM), que regula atividade no país, deve ter “critérios simplificados” para analisar a outorga de lavras. Essa flexibilização deve ocorrer “principalmente no caso de empreendimentos de pequeno porte”, ou seja, os garimpos.
Esse decreto revogou um total de 14 tipos de infração administrativa relacionadas à mineração, pelas quais garimpeiros e mineradoras não devem mais ser punidos. Entre essas infrações revogadas estão, por exemplo: deixar de prestar informações exigidas por lei em relatórios de lavra, não comunicar a descoberta de novas substâncias minerais, abandonar a mina ou a jazida, e praticar “lavra ambiciosa” — quando o plano de lavra é descomprimo, e prejudica o aproveitamento da jazida após o fim da atividade.
As multas para essas infrações estavam previstas no próprio decreto que regulamentou o Código de Mineração, e chagavam a R$ 3.293,90. Agora, o ato de Bolsonaro diz que a punição para essas irregularidades ainda serão definidas pela ANM.