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O desafio duplo de Valdemar: se defender das acusações e manter PL unido

O cacique demonstra gratidão pelos dividendos da aliança com Bolsonaro, mas, agora, ironicamente, se vê enredado na mesma teia de investigação do aliado

Por Adriana Ferraz Atualizado em 4 jun 2024, 09h29 - Publicado em 16 fev 2024, 06h00

Depois de Jair Bolsonaro, o segundo alvo político mais graúdo da megaoperação da Polícia Federal na investigação sobre uma tentativa de golpe foi Valdemar Costa Neto, cacique-mor do PL, que é o partido do ex-presidente e uma das maiores legendas do país na atualidade. Ele ficou dois dias preso e, na saída da Superintendência da PF de Brasília no último sábado, 10, tentou mostrar alguma calma. “Foi bem, foi tranquilo”, declarou Valdemar. A aparente tranquilidade contrastou com o desespero relatado por aliados e familiares assim que, durante a ação de busca e operação em seu apartamento, os agentes deram um flagrante por porte ilegal de arma e usurpação mineral — ele guardava uma pepita de ouro —, caso posteriormente transformado em prisão preventiva pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Com a mulher ao telefone, o presidente do PL chorou ao saber que não voltaria para casa. A operação para tirar Valdemar das grades não foi simples. Segundo apurou a reportagem de VEJA, parlamentares, autoridades e até o ex-presidente Michel Temer (MDB) foram procurados para socorrer o dirigente. Fabio Wajngarten, ex-­chefe da Secretaria de Comunicação (Secom) do governo Bolsonaro e um dos atuais advogados do ex-presidente, foi um dos que mais se movimentaram, trabalhando de forma incessante entre a tarde de sexta e a noite de sábado, quando o alvará foi expedido. Procurados por VEJA, Temer e Wajngarten não comentaram o episódio.

Valdemar estava na mira da Polícia Federal desde novembro de 2022, quando pediu ao Tribunal Superior Eleitoral a anulação dos votos colhidos por uma parte das urnas eleitorais — que, segundo ele, apresentaram “mau funcionamento”. Na época, Moraes, que é o presidente do TSE, indeferiu a representação e ainda impôs multa de 22,9 milhões de reais ao PL por “evidente má-fé”. Agora, no despacho que autorizou a Operação Tempus Veritatis, o ministro afirmou que a representação tinha a intenção apenas de servir como fundamento para a tentativa de golpe, sinalizando ter havido participação direta da legenda — e do dirigente — nos crimes investigados. Os temores de Valdemar não acabaram com a libertação, pois ele acha que pode voltar a ser alvo de “outras maldades de Moraes”, conforme confidenciou a uma pessoa próxima.

arte Valdemar

Políticos da situação aproveitaram o caso para voltar suas baterias contra o PL, com destaque para o PT. No mesmo dia 8 em que o dirigente foi preso, o senador Humberto Costa (PT-PE) protocolou pedido na Procuradoria-Geral da República para investigar a legenda e cassar seu registro partidário. De acordo com o congressista, o uso de recursos públicos para o financiamento de ações golpistas, caso se confirme, pode justificar tal medida. “É inaceitável que um partido que participa do jogo democrático se organize e se mobilize para a acabar com a democracia no Brasil”, justifica Costa. Por outro lado, lideranças de outros partidos prestaram solidariedade a Valdemar, entre eles Marcos Pereira, presidente do Republicanos, que classificou a tentativa de cassação como “um absurdo”.

AJUDA - Michel Temer: ex-presidente foi procurado para socorrer o dirigente
AJUDA - Michel Temer: ex-presidente foi procurado para socorrer o dirigente (Rogério Albuquerque/.)
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A possibilidade de cancelar um partido político é prevista em resolução do TSE editada em 2018. São quatro as hipóteses previstas: se a sigla tiver recebido recursos financeiros de procedência estrangeira; se estiver subordinada a entidade ou governo estrangeiros; se não tiver prestado contas à Justiça Eleitoral; ou se mantiver organização paramilitar. Apesar de as investigações da Polícia Federal abarcarem também a participação de militares no suposto plano de execução de um golpe, representantes do próprio tribunal ouvidos por VEJA consideram difícil enquadrar o PL como um grupo paramilitar. “E vale ressaltar que não há precedente histórico em período democrático. Não se pode comparar o momento atual com a cassação do registro do Partido Comunista do Brasil. Em 1947, o contexto era de Guerra Fria e de grande polarização ideológica global”, lembra o cientista político Marco Antonio Teixeira, professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.

Ainda assim, alguns aliados enxergam na operação da PF e na condução do inquérito por Alexandre de Moraes um trabalho para tentar varrer do mapa o grande partido de oposição à esquerda, ou seja, o PL. Primeira colocada nas pesquisas para a Prefeitura de Santos, no litoral paulista, a deputada federal Rosana Valle diz considerar as operações autorizadas pelo STF uma nítida tentativa de enfraquecer a sigla no pleito de outubro. “É uma perseguição disfarçada de Justiça. Um ataque mesmo”, afirma. Ex-ministro de Ciência, Tecnologia e Inovações, o senador Marcos Pontes (SP) declarou que as investigações podem provocar efeito contrário ao desejado, que é o fortalecimento de Bolsonaro. O ex-­pre­si­den­te, aliás, convocou apoiadores para um ato político no próximo dia 25 na Avenida Paulista, em São Paulo.

SILÊNCIO - Ricardo Nunes: prefeito de São Paulo evitou defender Bolsonaro após ação
SILÊNCIO - Ricardo Nunes: prefeito de São Paulo evitou defender Bolsonaro após ação (Newton Menezes/Código 19/Folhapress/.)
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No caso de Valdemar, fora as possíveis complicações na Justiça no inquérito em curso, o dirigente precisa pôr em ordem o partido, cujas divisões internas afloraram de vez com os acontecimentos recentes. De um lado, bolsonaristas exigem de correligionários uma defesa pública do ex-­presidente. De outro, os chamados valdemaristas buscam se descolar da figura de Bolsonaro diante do iminente risco de prisão. O embate foi parar nos grupos de mensagens, com cobranças nominais de declarações de apoio a um ou a outro. Indicado pelo próprio Bolsonaro para ser vice na chapa do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), o coronel Ricardo Mello Araújo cobrou apoio ao ex-­presidente pelas redes sociais. “Gostaria de ouvir os nossos representantes da direita. Temos eleições municipais chegando, e os grandes líderes não se manifestaram”, disse, em vídeo. Por enquanto, publicamente, Nunes, candidato à reeleição, tem dito apenas “confiar nas instituições” quando questionado sobre a investigação em curso. Outro aliado muito cobrado no momento, o governador paulista Tarcísio de Freitas tem optado por não comentar as investigações e ressaltar sua lealdade — ele promete ir ao ato convocado pelo ex-­pre­sidente, assim como Nunes. Não faltou ainda quem tentasse pregar a destituição de Valdemar na liderança da legenda, algo que ele considera impensável e fruto de aproveitadores em busca de mais espaço, conforme relatou a um aliado.

Outro problema que o dirigente será obrigado a contornar será a determinação de Moraes que proíbe os investigados de terem contato uns com os outros daqui por diante. Em tese, a poucos meses das eleições municipais, o presidente do PL não pode conversar com o maior cabo eleitoral do partido, Jair Bolsonaro. Mas, além de difícil fiscalização, a proibição não inviabiliza completamente a possibilidade de combinação de estratégias entre eles no pleito municipal. Oficialmente, os planos eleitorais do PL — e de Bolsonaro — estão mantidos: eleger ao menos 1 000 prefeitos em todas as regiões do país e se firmar como o principal partido de oposição, de olho em conquistar mais governos estaduais e o Palácio do Planalto em 2026. Isso, claro, se nenhuma nova operação da PF minar o cronograma e tirar a dupla de combate.

PUNIÇÃO - Humberto Costa, do PT: ação contra o PL protocolada na Procuradoria-Geral da República
PUNIÇÃO - Humberto Costa, do PT: ação contra o PL protocolada na Procuradoria-Geral da República (Ton Molina/Fotoarena)
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Não é a primeira vez que Valdemar enfrenta grandes apuros. Ele passou onze meses na prisão por participação no escândalo do mensalão e, mesmo assim, manteve influência na política por meio do PR (hoje PL), que chegou a comandar ministérios importantes, como o de Transportes, nas gestões petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Com o impeachment, aproximou-se de partidos da centro-­direita. Considerado um partido médio até a filiação do então presidente Jair Bolsonaro, o PL alcançou o posto de maior legenda do país ao eleger 99 deputados federais nas eleições de 2022, a maior bancada da Casa. Quatro anos antes, sem a bandeira do bolsonarismo, a sigla havia obtido apenas 33 cadeiras — ou seja, a alta foi de 200%. A atual casa do ex-presidente também conseguiu vencer em dois estados (Rio e Santa Catarina) e fazer 129 (hoje 135) deputados estaduais nas urnas, mais que triplicando sua presença nas Assembleias Legislativas país afora. Os re­sul­ta­dos ainda lhe asse­gu­ra­ram as maiores fatias dos fundos eleitoral e partidário. Neste ano, a sigla deve receber 1 bilhão de reais para custear campanhas municipais. Valdemar demonstra gratidão pelos dividendos que a aliança com Bolsonaro proporcionou a ele, mas, agora, ironicamente, se vê enredado na mesma teia de investigação do aliado. A única coisa certa daqui para a frente é que o cacique terá que mostrar de novo uma capacidade impressionante de resiliência diante da tempestade perfeita que começa a se formar sobre ele.

Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de 2024, edição nº 2880

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