Nunes dá sinais de recuperação, mas ainda acumula desafios na campanha
A menos de um mês do pleito, o que parecia uma caminhada tranquila para permanecer no poder virou uma corrida acidentada, cheia de obstáculos
No início da campanha, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) parecia ter as melhores armas para chegar ao segundo turno e vencer a disputa na maior metrópole do país, até com uma certa tranquilidade. Com um montante inédito de dinheiro em caixa (orçamento de 111,8 bilhões de reais, o maior da história), investiu no cartão-postal preferido dos políticos, as obras. Um dos feitos propagandeados é o da pavimentação de 20 milhões de metros quadrados de vias em dois anos. De longe, a base partidária que o sustenta é a mais robusta (doze siglas) e a máquina pública, por si só, tradicionalmente, já garante uma boa vantagem a quem está sentado na cadeira do executivo municipal. Um rival direto na disputa por São Paulo é Guilherme Boulos (PSOL), apoiado pelo PT e que tem como principal cabo eleitoral o presidente Lula. Nunes, por sua vez, tem a seu lado o ex-presidente Jair Bolsonaro e o governador Tarcísio de Freitas, uma aliança composta contra a tentativa da esquerda de comandar a capital.
A menos de um mês do pleito, o que parecia uma caminhada tranquila de Nunes para permanecer no poder em São Paulo nos próximos quatro anos virou uma corrida acidentada, cheia de obstáculos. Um dos motivos é a entrada de um outsider no tabuleiro político da capital. O candidato do PRTB, Pablo Marçal, bagunçou a disputa e vem dividindo os votos mais à direita, incluindo os dos eleitores bolsonaristas. Enquanto isso, Boulos tem enormes dificuldades para deslanchar e amealhar apoios para além da bolha da esquerda. Resultado: a eleição paulistana ganhou ares de thriller de mistério. Levantamento da Quaest divulgado na quarta-feira 11 é exemplo de como o cenário se tornou imprevisível (veja o quadro). Nunes assumiu a ponta ao subir 5 pontos em relação à sondagem de agosto, chegando a 24%. Boulos oscilou de 22% para 21%, caindo da liderança para o terceiro lugar, pois acabou ultrapassado também por Marçal (o coach pulou de 19% para 23%). Qualquer centímetro ganho numa disputa cabeça a cabeça tem relevância a esta altura, mas não dá para exagerar na comemoração. Em comparação a agosto, o trio segue empatado, com trocas de posições ocorridas dentro da margem de erro de 3 pontos. O Datafolha divulgado na quinta-feira 12 trouxe um quadro um pouco diferente, mas mostrando ainda equilíbrio entre os líderes, considerando-se a margem de erro de 3 pontos: Nunes (27%), Boulos (25%) e Marçal (19%). Já a nova rodada do Paraná Pesquisas, publicada na sexta-feira, trouxe também o candidato do PRTB um pouco atrás: Nunes tem 25,1%, Boulos, 24,7%, e Marçal, 21%, segundo a sondagem.
Para se manter competitivo nessa disputa, Nunes apostou acertadamente no efeito do horário eleitoral, no qual tem 65% do tempo da grade. A recuperação nas pesquisas coincide com o início das inserções. O enfrentamento do poder de fogo de Marçal nas redes sociais, que desnorteou a campanha num primeiro momento, exigiu reação rápida. Profissionais com estratégias de “marketing de guerrilha” usado no varejo digital reforçaram a equipe. “Continuamos apanhando, mas não perdemos mais de goleada para ele”, diz um dos membros graduados do staff de Nunes.
Um dos problemas ainda longe de solução está relacionado à dose de participação do ex-presidente na campanha. Nunes vive num eterno dilema hamletiano de ser ou não ser bolsonarista: ao mesmo tempo que o nome garante votos entre a direita mais radical (o que evita que migrem em massa para Marçal), aparecer ao lado do ex-capitão atrai também a forte rejeição dele entre grande parte do eleitorado. Essa encruzilhada política vem gerando diversas saias justas. No ato de Bolsonaro do sábado 7, na Avenida Paulista, Nunes caprichou no equilibrismo: marcou presença, mas tentando não chamar muita atenção — e deixou o local driblando a imprensa.
O pouco grau de participação até aqui do ex-presidente na campanha tem gerado inúmeras discussões. Segundo reclamam assessores de Bolsonaro, o ex-capitão quase não é solicitado para eventos importantes e o vice indicado por ele, o coronel da reserva da PM Ricardo Mello de Araújo, não tem recebido destaque. A turma de Nunes, por sua vez, diz que o próprio Bolsonaro, durante o ato na Paulista, chamou Nunes para conversar e disse que “ainda não era o momento” para que gravassem juntos no horário eleitoral. Membros da campanha do prefeito contam com a esperança de que, na última semana antes da eleição, na qual Bolsonaro já anunciou que ficará exclusivamente no Rio de Janeiro, o ex-presidente faça ao menos um bate e volta a São Paulo.
Indefinições importantes poderiam ter sido resolvidas há tempos pelo comando da campanha, mas o cenário ali é bastante confuso, desde o início. O que parecia uma vantagem, o apoio de doze siglas, transformou as reuniões estratégicas numa babel de opiniões, sem um comando claro. Na área de marketing, acusada internamente por alguns críticos de agir de forma amadora, peças divulgadas causaram estragos entre a ala bolsonarista, como o vídeo em que Nunes prestou apoio à candidata a vereadora Joice Hasselmann (Podemos), considerada traidora do ex-presidente. Para piorar, duas semanas depois, Joice rompeu com a campanha do prefeito, declarando apoio a Marçal. A situação segue com discussões intermináveis a respeito dos rumos na reta final. Existe hoje até quem defenda um afastamento maior de Bolsonaro para garantir a entrada no segundo turno. Seria a forma de atrair na reta final do pleito eleitores de centro ainda indecisos.
O que há de consensual neste momento é a importância e o protagonismo de Tarcísio de Freitas (Republicanos). O apoio do governador se intensificou nas últimas semanas. Ele não só tem gravado com Nunes para inserções na TV e para redes sociais, mas participado frequentemente da campanha de rua do emedebista. Ao contrário de Bolsonaro, que recuou e adotou uma postura “hesitante” após ser fustigado pelo eleitorado pró-Marçal, Tarcísio dobrou a aposta e, mesmo sob a mira do eleitorado de direita — alguns passaram a chamá-lo de “esquerdista” —, manteve o apoio explícito a Nunes. “O Tarcísio entrou para valer e é hoje o maior cabo eleitoral do Ricardo Nunes em São Paulo”, diz Valdemar Costa Neto, presidente do PL. “Ele dialoga bem com o eleitor de centro, sem perder de vista os valores da direita.” A mensagem tem sido replicada na parceria “Nunestar”, novo apelido da campanha para a dupla: declarações remetendo à experiência de gestão de ambos, voltadas para o público “conservador” e contra temas espinhosos como a liberação das drogas e o aborto são frequentes nas dobradinhas por São Paulo.
Um dos governadores mais bem avaliados do país, Tarcísio pode mesmo ter um peso decisivo no momento em que há um empate tríplice entre os três líderes. A disputa encontra-se tão embolada que a possibilidade de Marçal chegar ao segundo turno, tirando o lugar de Nunes, é só uma das hipóteses concretas hoje que pareciam improváveis até pouco tempo atrás. Outro cenário surpreendente que pode se materializar, conforme mostra a Quaest, é o de Boulos ficar fora da reta final. Apesar de ter o apoio da esquerda, que é bastante fiel, ele disputa votos com Nunes na periferia. O ataque mais imprevisto às fileiras do psolista vem de Marçal. “O candidato do PRTB atrai jovens, grupo que tenderia a votar em Boulos”, afirma Murilo Hidalgo, diretor-presidente do Instituto Paraná Pesquisas. “São pessoas dessa faixa de idade que não fazem escolhas políticas pela ideologia e são mais suscetíveis às redes sociais, campo dominado por Marçal”, completa.
O resultado final do pleito paulistano tende a ser um divisor de águas para 2026. À esquerda, em caso de derrota, a liderança de Lula ficaria enfraquecida, ao mesmo tempo que Tarcísio ganharia musculatura como principal fiador da vitória de Nunes. Se o prefeito for derrotado, porém, será uma boa dose de água fria no movimento para levar o governador ao próximo páreo presidencial. Bolsonaro talvez tenha mais a perder do que a ganhar. E mostra insegurança sobre o que fazer. Se Nunes perder com o seu apoio, será ruim. Mas pior ainda será ser derrotado por Marçal, que tenta se posicionar como o novo representante da direita raiz.
Já Nunes coloca tudo, inclusive sua sobrevivência política, no sprint final. A meta é ir ao segundo turno, no qual teria boas chances contra Boulos e Marçal. Ser eliminado na primeira etapa da disputa seria um vexame. A última vez que isso aconteceu com um prefeito no cargo foi com Fernando Haddad, em 2016, quando foi atropelado por João Doria no auge da onda antipetista — desde então, nunca mais conseguiu uma vitória eleitoral. Em sua estreia nas urnas na condição de cabeça de chapa, Nunes tem o desafio de sobreviver ao duro teste a que está sendo submetido. Na disputa mais emocionante e acirrada da história recente da cidade, as próximas semanas ainda prometem fortes emoções.
Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2024, edição nº 2910