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‘No sertão mora minha inspiração’, diz brasileiro que chegou ao Louvre

Eduardo Lima, 46 anos, fala dos preconceitos que venceu até expor no espetacular museu de Paris

Por Duda Monteiro de Barros Atualizado em 4 jun 2024, 09h26 - Publicado em 20 jan 2024, 08h00

Minha história com a arte vem de longe, mas nunca imaginei que um dia chegaria às paredes de um dos museus mais conhecidos do mundo. Cresci na cidade de Capim Grosso, a mais de 200 quilômetros de Salvador, no sertão baiano. Meu pai trabalhava em olarias, fabricando peças de cerâmica, e, enquanto as outras crianças brincavam de pipa e pião, eu estava sempre no meio do barro, desenhando. Aí o tempo passou, veio a realidade, e comecei a trabalhar como frentista ao completar 18 anos. Voltei ao desenho por uma dessas reviravoltas imprevisíveis: fui atropelado, me machuquei feio e fiquei de repouso em casa. A arte quebrava o tédio. Meus amigos iam me visitar e elogiavam muito as telas. Aquilo me encorajou e comecei a vender uma obra aqui, outra ali. E o que era hobby passou a fazer parte do meu dia a dia. Retornei ao batente no posto de gasolina e pessoas que eu nem conhecia me procuravam para encomendar quadros. Virei o “artista plástico frentista”.

Não foi fácil me ver como artista e, enfim, depois de dez anos, ganhar coragem para pedir demissão do emprego, no posto, para abraçar a carreira. Comprei um carro e, com minha esposa, rodamos o sertão vendendo arte. Não havia nada de romântico na escolha e logo senti o baque de não ter estabilidade financeira. Antes, meu salário não era alto, mas era certo que entraria todo mês. Vez ou outra, o carro quebrava e ainda havia os custos da manutenção. Frequentemente, me expulsavam de espaços públicos, quando tentava fazer uma venda. Sentia aquela dor da humilhação. Um dia, o automóvel pegou fogo, perda total, e tinha de andar de ônibus com as telas debaixo do braço. Minha mulher e meus dois filhos não perderam a confiança no meu talento. Eu perdi: arranjei um trabalho durante o dia, na construção civil, e a arte ficou restrita ao turno da noite.

O reconhecimento só veio mesmo quando decidi divulgar meu trabalho nas redes sociais. Fechava o negócio on-line e enviava as telas pelo correio. Foi na pandemia, surpreendentemente, que a coisa deslanchou. As obras chegaram a esgotar. Estava tão eufórico que organizei uma exposição com outros pintores sertanejos, Raízes do Sertão Nordestino, e visitei várias cidades disseminando nossa arte e a cultura da região, à qual sou tão ligado. Em 2023, recebi uma daquelas notícias que muda tudo. Era um e-mail do Louvre, local que eu tanto admirava, mas não imaginava conhecer nesta vida. Inacreditável: me convidaram para exibir minhas telas em uma galeria de artistas do mundo inteiro. Quando pisei na França, minha trajetória até ali passou na cabeça como um filme — as dificuldades, as humilhações, tudo. Chorei muito.

Ser artista plástico exige muito mais do que se dedicar à pintura. Acabei desenvolvendo um lado empreendedor e, hoje, sei definir o preço de um quadro e valorizá-lo. O Brasil ainda tem dificuldade de entender a arte como um produto. Muitas vezes, querem que a gente faça de graça, como se fosse brincadeira. Encontrei um caminho artístico ao contar a história de um lugar que as pessoas não conhecem tão bem e sobre o qual têm uma ideia caricata — é como se tudo fosse seca, cactos e pobreza no sertão. Até hoje me perguntam por que não pinto cenas de sofrimento. Quero mudar essa visão negativa, ao colocar nas telas o cotidiano, a alegria e as cores tão fortes da região. Depois do Louvre, galerias de Portugal, Espanha e da própria França me chamaram para expor este ano, que promete ser de agenda cheia. Mas sempre voo de volta ao sertão. É lá que mora minha inspiração.

Eduardo Lima em depoimento dado a Duda Monteiro de Barros

Publicado em VEJA de 19 de janeiro de 2024, edição nº 2876

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