“Não era minha hora”, diz Boni sobre infarto em pleno voo
Aos 86 anos, o ex-todo-poderoso da Globo, revela o drama que viveu: 'Alguns dos piores momentos da minha vida'
Comparo o que aconteceu comigo a uma novela, com direito a cenas dramáticas e outras que mais lembram um filme de terror. Depois de 45 dias numa viagem entre a região da Provença, Paris e Nova York, embarquei de volta para o Brasil em 3 de outubro. E, passadas duas horas da decolagem, vivi alguns dos piores momentos da minha vida. Indisposto, recusei o jantar, mas resolvi aceitar a sobremesa. Levei a colher à boca e comecei a sentir uma dor lancinante no braço esquerdo e no peito. Mesmo sem qualquer problema prévio no coração e com um check-up recente, não tive dúvidas: era infarto. Como sou hipocondríaco assumido, daqueles que adoram ler sobre medicina, carregava comigo vários remédios, entre eles um para insuficiência cardíaca. Tomei então o medicamento e me despedi da minha mulher, Lou de Oliveira. Disse que ia embora tranquilo e pedi para que falasse para os meus filhos — Gigi, Boninho, Diogo e Bruno — que os amava intensamente. Estava certo de que morreria ali.
Não foi dessa vez, talvez por milagre. Soube mais tarde que um ataque cardíaco como o que tive, quando não é fulminante, requer cirurgia em até duas horas. Eu seria operado 26 horas mais tarde. O desespero no avião foi apenas o começo de uma saga horripilante. Ainda no voo, um médico que estava a bordo diagnosticou que meu caso era grave, e o piloto desviou a rota para San Juan, em Porto Rico, onde me colocaram em uma ambulância. Achei que estaria a salvo, bem cuidado, mas descobri que tinha sido largado à própria sorte. Me informaram que não havia vaga em hospitais particulares e me deixaram, numa cadeira de rodas, em uma emergência pública lotada. Em meio a vários doentes que se aglomeravam nos corredores, eu implorava por atendimento. Passei quase quatro horas no local, primeiro esperando por um cardiologista, que veio de casa, e depois pelo cirurgião, que não apareceu.
Havia então sobrevivido a um infarto em um avião e morreria por falta de atendimento? Me veio uma revolta, e pensei em como a companhia aérea me largou em terra, à deriva, sem acompanhar o caso — o que poderia ter me custado a vida. Na madrugada, assinei um termo para deixar aquele pronto-socorro apinhado e, junto com minha mulher, empurrei as nossas quatro malas para a porta do hospital, em meio a uma chuvarada, e partimos para um hotel. De lá, começamos a ligar para hospitais onde pudesse ser operado. Nada. Não havia especialistas para me atender. Meu filho mais velho, Boninho, foi avisado que eu estava mal e acionou o irmão, que mora nos Estados Unidos e tomou à frente da situação. Diogo me encontrou em Porto Rico e providenciou um avião-ambulância. Fui conduzido a um grande hospital de Orlando, no qual, na madrugada seguinte, me submeteram a uma angioplastia e alojaram um stent, para impedir a obstrução das artérias, em meu coração.
A saga, porém, não tinha terminado. Me liberaram e fui celebrar com três de meus quatro filhos, que àquela altura tinham viajado a Orlando. No restaurante, fui ao banheiro e percebi alta presença de sangue na urina. Os anticoagulantes que precisei tomar causaram sangramento na bexiga. Novamente, me operaram às pressas. Retornei ao Brasil vinte dias depois. Parece até piada, mas o voo quase precisou fazer um pouso de emergência na Venezuela ao ser detectada fumaça no toalete. Felizmente, era só um cigarro eletrônico acesso. Agora, além de ter engatado em um regime — estava 18 quilos acima do peso —, voltei a me exercitar, hábito que cultivo há anos, e quero aproveitar a vida mais do que nunca. Estou terminando um livro sobre os bastidores da TV, tenho projetos para a internet e sigo planejando mais viagens. Queria embarcar já no fim do mês, quando faço aniversário, mas a Lou me convenceu a ficar quietinho. Tendo passado por tudo o que passei, me vem a convicção de que não era a minha hora. Pouco mais de um mês depois de toda a epopeia, levo uma vida normal e estou muito bem, obrigado.
Boni em depoimento dado a Sofia Cerqueira
Publicado em VEJA de 23 de novembro de 2022, edição nº 2816