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Na mira de inquéritos da PF, parlamentares articulam plano de combate

Eles ameaçam instaurar investigações para fustigar os ministros do STF e constranger o governo no momento em que a popularidade de Lula está em baixa

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 14 mar 2025, 13h35 - Publicado em 14 mar 2025, 06h00

Pouco antes de ser eleito presidente do Congresso, no mês passado, o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) subiu na tribuna e, num discurso contundente, pregou a pacificação e advertiu que a relação entre os poderes tem sido testada por tensões e desentendimentos. “Quero ser claro: é essencial respeitarmos as decisões judiciais, mas é igualmente indispensável respeitar as prerrogativas do Poder Legislativo”, disse, provocando efusivos aplausos. Horas depois, foi a vez do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) repetir o gesto. Após um preâmbulo também em prol da harmonia e independência, o novo presidente da Câmara ressaltou que “nenhum poder pode tudo”. “Quando cada um reconhece o seu lugar, o nome disso é respeito”, afirmou, sendo igualmente festejado pelos colegas. As declarações representam mais que uma simples construção retórica. Com cerca de setenta deputados e senadores na mira de inquéritos conduzidos pelo Supremo Tribunal Federal, está cada vez mais se cristalizando entre importantes lideranças políticas a convicção sobre a existência de uma trama organizada pelo governo para fragilizar o Parlamento. A desconfiança chegou ao ponto de o Congresso discutir detalhes de um plano de defesa — ou de ataque, dependendo do referencial.

Dias depois da posse, Davi Alcolumbre se reuniu a portas fechadas com um influente correligionário de seu partido. Ouviu dele a avaliação de que o clima entre os parlamentares está atingindo um nível perigoso de inquietação, que começou com a queda de braço com o STF em relação ao uso das emendas parlamentares e se agravou com operações policiais que têm mirado os deputados e senadores. Ambos concordaram que o Congresso precisa reagir diante da convicção latente de que o governo Lula, em parceria com o Supremo, estaria usando a Polícia Federal para perseguir adversários e aplacar o ímpeto de políticos rebeldes. O próprio Alcolumbre estaria entre os alvos escolhidos. O primeiro passo dessa reação seria exigir o fim do segredo em torno das investigações em andamento contra os parlamentares. Existem mais de oitenta inquéritos tramitando em sigilo no Supremo Tribunal sobre supostos desvios de recursos que deputados e senadores encaminharam para obras em seus municípios — uma apuração mais do que necessária, diga-se, diante das inúmeras e robustas suspeitas. Entre os envolvidos, é recorrente a reclamação de que eles não têm acesso aos autos e não sabem exatamente do que são acusados, o que acabaria abrindo as portas para que essas ações sejam usadas como instrumento de chantagem. Nesse meio, é claro, há os de boa-fé e os que tentam a todo custo sair da mira da Justiça.

SUSPEITA - Lula: para influentes parlamentares, ele estaria atuando ao lado do STF para fragilizar o Congresso
SUSPEITA - Lula: para influentes parlamentares, ele estaria atuando ao lado do STF para fragilizar o Congresso (Ricardo Stuckert/PR)

Acuados pela PF, os congressistas ameaçam retaliar, criando uma Comissão Parlamentar de Inquérito para verificar se a máquina estatal está sendo usada com objetivos políticos. Partindo dessa premissa, o colegiado poderia vasculhar os bastidores das operações, convocar juízes e delegados para prestar depoimento e escarafunchar os métodos usados para obtenção de determinadas provas. Seguindo esse rastro, a CPI fatalmente caminharia em direção ao Supremo, a quem cabe determinar as operações e a condução dos inquéritos sigilosos. Uma comissão como essa, se instalada, teria o potencial de criar confusões monumentais e produzir desgastes para o governo, num momento em que Lula enfrenta seus piores índices de popularidade e depende do Congresso para aprovar medidas que agradam ao eleitorado. É um trunfo que os congressistas pretendem usar a seu favor. Eles também consideram a hipótese de acionar a Polícia Legislativa para apurar possíveis ilegalidades cometidas pela Polícia Federal — algo parecido com o que a CPI pode fazer, mas com a diferença de que ações como quebras de sigilo se dariam longe dos holofotes e sob o conhecimento apenas da cúpula do Congresso. É mais um poderoso mecanismo de pressão.

arte congresso

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Ações desse tipo são raras, mas não inéditas. No auge da Operação Lava-­Jato, por exemplo, o então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), decidiu confrontar o Judiciário, que estava autorizando buscas nas residências oficiais de parlamentares sem o aval do Supremo. O senador acionou a Polícia Legislativa para apurar a legalidade das operações. Não se sabe o resultado do tal inquérito, mas as incursões da Polícia Federal sem autorização do STF não aconteceram mais. Na época, o Ministério da Justiça, a quem a PF é subordinada, era chefiado por Alexandre de Moraes, hoje ministro do STF. Ele foi acusado por Calheiros de se comportar como um “chefete de polícia”. “Uma operação policial, que surge de intrigas e outros motivos sórdidos de natureza corporativa, traveste-se de investigação comum, mas na realidade constituiu estratagema para constranger o regular funcionamento do Poder Legislativo”, protestou o então comandante do Senado em uma ação encaminhada ao Supremo. Esse é um argumento comum invocado quando políticos poderosos aparecem no radar das autoridades policiais. Algumas suspeitas até têm fundamento, mas a maioria é apenas desculpa para tentar driblar investigações.

RETALIAÇÃO - Ministros do Supremo: CPI seria usada para vasculhar procedimentos de juízes e de autoridades federais
RETALIAÇÃO - Ministros do Supremo: CPI seria usada para vasculhar procedimentos de juízes e de autoridades federais (Sergio Lima/AFP)

Desde o início do terceiro mandato do presidente Lula, a atuação da Polícia Federal é criticada pelo suposto uso político e atropelo de regras. O ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por exemplo, não escondia sua preocupação com os exageros e as “crises fabricadas” por operações do órgão. O próprio deputado se viu envolvido numa ação que mirou um antigo assessor dele no momento em que a relação com o governo enfrentava turbulências — na época, irritado, Lira cobrou explicações do então ministro da Justiça, Flávio Dino. A tensão foi escalando com o tempo. No ano passado, a prisão preventiva do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), acusado de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco, gerou um novo mal-estar. Por regra, os congressistas só podem ser presos em flagrante. Em outra incursão, ainda mais questionável, a PF indiciou dois deputados de oposição que criticaram o trabalho do órgão — o que, em tese, fere a prerrogativa da imunidade parlamentar.

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O ponto mais alto do atrito ocorreu em dezembro. Deflagrada para investigar um esquema de superfaturamento de obras e desvio de dinheiro das emendas parlamentares na Bahia, a Operação Overclean atingiu em cheio a cúpula do União Brasil, partido do presidente do Senado, e respingou nele próprio — em mensagens, os investigados citam a chefe de gabinete de Alcolumbre como um canal para ajudar a destravar um contrato. O caso foi remetido ao Supremo após serem encontradas citações dos criminosos ao deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA). Parlamentares da legenda apontam direcionamento político na ação. Isso porque o ministro-chefe da Casa Civil e ex-governador da Bahia, Rui Costa, é arqui-inimigo de um dos principais dirigentes do União Brasil, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto — um dos empresários presos na operação, a propósito, é braço direito de Neto. Além disso, chamou a atenção o pedido feito pela PF para que o caso fosse relatado pelo ministro Flávio Dino. Para parlamentares, é uma prova clara de que as investigações são orientadas por uma bússola política e contam com a parceria do Supremo — o que ambos, evidentemente, negam.

POLÊMICA - Chiquinho Brazão: prisão gerou mal-estar entre os colegas
POLÊMICA - Chiquinho Brazão: prisão gerou mal-estar entre os colegas (Mateus Bonomi/AGIF/AFP)

O presidente do Senado não é formalmente investigado na Operação Overclean. Informado sobre o clima de insatisfação generalizada, ele foi aconselhado a procurar o presidente Lula para tentar contornar o problema sem precisar recorrer ao confronto. “O Davi é de um estilo que tem coragem, mas acha melhor resolver as coisas no diálogo do que abrir uma guerra”, diz um aliado. Não se sabe se Alcolumbre e o presidente da República chegaram a conversar sobre o assunto. Procurado pela reportagem de VEJA, o parlamentar não se pronunciou. Recentemente, Lula fez uma viagem ao Amapá para inaugurar obras e levou o senador a tiracolo no avião presidencial. Os dois trocaram afagos e elogios. Fora isso, após meses de fricção, o Supremo validou um acordo com o Congresso e liberou o pagamento de 50 bilhões de reais em emendas que estavam bloqueadas por determinação do ministro Flávio Dino. Sinais de que as ameaças podem ter chegado aos ouvidos do presidente. Independentemente disso, é inegável que o clima de guerra ainda se faz presente no Congresso. A ver se as ações vão ficar apenas no campo das ameaças ou darão início a uma batalha política campal.

Publicado em VEJA de 14 de março de 2025, edição nº 2935

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