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Musk, STF e direita radical: os conflitos que turbinam o ato de 7 de Setembro

Cancelamento do X serve de combustível para inflamar o bolsonarismo, que volta às ruas e coloca mais uma vez o Supremo no centro do ringue da política

Por Laísa Dall'Agnol Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Ramiro Brites Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Isabella Alonso Panho Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 6 set 2024, 11h39 - Publicado em 6 set 2024, 06h00

Em 2022, na reta final de seu mandato e a pouco menos de um mês do primeiro turno das eleições daquele ano, o então presidente Jair Bolsonaro abriu fogo contra as instituições, em especial a Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal, ao apontá-­los como inimigos em discursos inflamados para milhares de apoiadores em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo (de forma virtual, em um telão). A catilinária contra o sistema teve um cenário especial: o 7 de Setembro, data em que, em tese, o país deveria fazer odes à independência e ao fortalecimento de seus mecanismos democráticos. O episódio gerou uma de suas condenações à inelegibilidade. Em 2023, na mesma data, já fora do poder e escaldado pela arruaça do 8 de Janeiro, mandou o seu “exército” ficar em casa. O fim da trégua acabou na última semana, embalado pelo pretexto de reagir às decisões do ministro Alexandre de Moraes, sobretudo ao bloqueio do X de Elon Musk. Assim, o clima de beligerância voltou a tomar conta do Dia da Pátria.

PAUTAS - O ex-presidente Jair Bolsonaro: pedido de anistia a todos os envolvidos nos atos do 8 de Janeiro e defesa da “liberdade de expressão” e do fim da “censura”
PAUTAS - O ex-presidente Jair Bolsonaro: pedido de anistia a todos os envolvidos nos atos do 8 de Janeiro e defesa da “liberdade de expressão” e do fim da “censura” (Evaristo Sa/AFP)

Em fevereiro deste ano, Bolsonaro até chegou a voltar à Avenida Paulista para reclamar de perseguição, mas o tom era outro: pediu que não fossem levadas faixas contra o STF e Moraes. Agora, a conversa mudou. Em vídeo no qual convocou apoiadores para o próximo sábado, o ex-presidente deixou claro que um dos principais motes do evento será a anistia aos presos do 8 de Janeiro. A “liberdade de expressão” e a “independência de fato” do país devem ser outras palavras de ordem. As pregações visam Moraes e o Supremo: o magistrado é o relator das investigações acerca da intentona golpista e do quebra-quebra em Brasília. Além disso, é o ministro responsável pela suspensão do X, o que vem sendo explorado à exaustão, inclusive pelo próprio Elon Musk, para incendiar o protesto em São Paulo. “O mundo inteiro está de olho no Brasil, com a questão do X. Vamos mostrar que não concordamos com essas medidas de censura. Não tem cabimento isso que está acontecendo”, disse Bolsonaro.

SINAL - STF com iluminação especial: gesto simbólico em meio às críticas
SINAL – STF com iluminação especial: gesto simbólico em meio às críticas (Antonio Augusto/STF)

Além do inimigo de sempre, o ato na Avenida Paulista terá também um dos mecenas de sempre. A manifestação está sendo patrocinada e organizada pelo pastor Silas Malafaia, aliado radical do ex-presidente. Ao contrário do que fez em fevereiro, quando disse ter investido 90 000 reais no evento, desta vez o líder religioso não revelou quanto gastou com dois trios elétricos, grades, banheiros químicos, equipe técnica e seguranças. Os pregadores do culto bolsonarista também não devem mudar muito. A lista dos que devem falar à multidão inclui parlamentares do PL considerados “fenômenos de audiência nas redes”, como Gustavo Gayer (GO), Nikolas Ferreira (MG), Bia Kicis (DF) e Julia Zanatta (SC). Também poderão discursar a ex-primeira-dama Michelle, os filhos Eduardo e Flávio, o próprio Malafaia e, claro, Bolsonaro. A estimativa é de que estejam presentes cinquenta deputados, senadores e até três candidatos à prefeitura de São Paulo: Ricardo Nunes (MDB), Pablo Marçal (PRTB) e Marina Helena (Novo).

PRIORIDADE - Barroso: redes sociais na mira da Corte
PRIORIDADE - Barroso: redes sociais na mira da Corte (Ton Molina/Fotoarena/.)

Aliados do ex-presidente dizem que estão sendo fretados, de forma espontânea e voluntária, dezenas de ônibus com apoiadores saindo do Distrito Federal, Rio de Janeiro e interior de São Paulo. Entre os governadores, o único que poderá estar no palanque é Tarcísio de Freitas, de São Paulo (até quinta 5, ele ainda não havia confirmado presença), movido não apenas pela lealdade a Bolsonaro, mas pelo objetivo de alavancar a candidatura de Ricardo Nunes, que vem sendo fustigada pelo bolsonarismo. Ronaldo Caiado (Goiás) anunciou que estará de férias, enquanto Jorginho Mello (Santa Catarina), Romeu Zema (Minas Gerais) e Ratinho Jr. (Paraná) sinalizaram que terão compromissos do 7 de Setembro em seus estados.

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VETO - Pacheco: recusa a pedidos de impeachment de Moraes
VETO - Pacheco: recusa a pedidos de impeachment de Moraes (Ton Molina/Fotoarena/.)

Caso realmente alcance a dimensão pretendida pelos organizadores, o barulho na rua certamente será usado para alimentar a ofensiva de bolsonaristas no Congresso. Um dos movimentos do grupo, que se reuniu na última terça, 3, é para tentar dar tração a uma antiga (e perigosa) obsessão: promover o impeachment de Moraes. Após o 7 de Setembro, parlamentares devem ir ao plenário do Senado entregar ao presidente Rodrigo Pacheco mais um pedido de afastamento do magistrado, com a adesão de cerca de 150 deputados e 1,3 milhão de assinaturas em petição on-line. A interlocutores, Pacheco garante que a chance de isso ser pautado por ele é “zero”. Pressão, no entanto, não irá faltar. Entre os planos bolsonaristas está o de organizar um ato em Belo Horizonte, berço político de Pacheco. Outro ponto será tentar fazer andar duas propostas de emenda constitucional e dois projetos de lei que limitam a atuação do Supremo.

arte STF

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Diante dessa ofensiva, os ministros do STF têm tentado, ao menos em público, demonstrar um sentido de coesão. Na segunda-feira seguinte ao bloqueio do X, o presidente Luís Roberto Barroso, em evento na Faculdade de Direito da USP, disse que a decisão do colega de toga era corriqueira. “Não há nada de excepcional, salvo uma politização indevida.” Nesse mesmo dia, a Primeira Turma endossou por unanimidade o ato de Moraes. Nos bastidores da Corte, entretanto, as primeiras fissuras já se fazem sentir, um fato novo diante do histórico recente de firme unidade do STF. Uma demonstração foi dada por Luiz Fux, que endossou a decisão de Moraes, mas discordou da multa de 50 000 reais a quem burlasse o bloqueio com o uso de VPN (rede virtual privada). Sinalizou ainda que poderia mudar o seu voto até a decisão do mérito. “Reservo-me o direito à reanálise da questão quando da apreciação do mérito”, disse. Uma das principais discordâncias é exatamente pelo fato de Moraes ter levado o caso à Primeira Turma, composta por cinco ministros, e não ao plenário, com onze magistrados. Entre eles, ao menos um, André Mendonça, era tido como um voto contrário certo ao pacote de Moraes contra Elon Musk. Mendonça já havia aberto divergência em vários casos do 8 de Janeiro, principalmente em relação ao tamanho das punições, ecoando uma crítica que se faz com frequência a Moraes, a da dosimetria das penas. Outra rachadura pode ser aberta por Nunes Marques — que sinalizou nesta quinta que pode levar o caso ao plenário da Corte.

 

PARADO - Lira: iniciativa do deputado travou debate sobre fake news na Casa
PARADO - Lira: iniciativa do deputado travou debate sobre fake news na Casa (Cristiano Mariz/Agência O Globo/.)

A escalada do bolsonarismo com o STF pode levar a novo recrudescimento das tensões entre os poderes. Além dos projetos contra o STF que os parlamentares de direita vão tentar fazer ganhar tração no Congresso, há um movimento para ressuscitar a CPI do Abuso de Autoridade, proposta por Marcel van Hattem (Novo-RS) em 2022 e travada por Arthur Lira (PP-­AL). Ao mesmo tempo, o Supremo não dá mostras de que irá baixar a guarda. Em agosto, três ministros (Edson Fachin, Luiz Fux e Dias Toffoli) liberaram para julgamento, ao mesmo tempo, ações que tratam do enquadramento das redes sociais. Duas versam sobre a responsabilidade das empresas pelos conteúdos publicados nas plataformas, enquanto outra discute a possibilidade de suspender o WhatsApp por decisão judicial — as duas hipóteses aterrorizam as big techs. “Chegou a hora de enfrentar esse tema”, disse Fux, ecoando uma preocupação do poder público em todo o mundo com o avanço das redes sociais. Em agosto, o dono do Telegram, o russo Pavel Durov, foi preso em Paris, acusado, em inquérito, de não impedir que a sua plataforma seja usada para a prática de crimes.

PREGAÇÃO - Silas Malafaia: pastor organiza novo palco para Bolsonaro
PREGAÇÃO - Silas Malafaia: pastor organiza novo palco para Bolsonaro (Bruno Santos/Folhapress/.)

O movimento que coloca o STF no meio do tiroteio político tem muito a ver com a inércia deliberada do Legislativo. Em junho, por exemplo, Arthur Lira enterrou o chamado PL das Fake News, que tinha a oposição das companhias de tecnologia e dos parlamentares de direita, e criou um grupo de trabalho para elaborar uma nova proposta, mas que até hoje não fez nenhuma reunião. “Nesse tema houve uma omissão da nossa parte, em outras questões, um deliberado avanço do Supremo”, afirma Julio Lopes (PP-­RJ), que faz parte do colegiado. Relator do sepultado PL das Fake News e do inócuo grupo de trabalho, Orlando Silva (PCdoB-SP) diz que há pelo menos quatro anos pede ao STF que espere uma decisão do Congresso. “O Supremo já foi provocado e não decidiu por conta de apelos do Parlamento”, recorda Silva.

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FRENTE - Deputados discutem reação: projetos para limitar STF e ato contra Pacheco em Minas
FRENTE - Deputados discutem reação: projetos para limitar STF e ato contra Pacheco em Minas (@elainemenke/Reprodução)

Essa lentidão em discutir seriamente a necessária regulação das redes deixou o terreno livre para novas confusões, e o caso Musk x Moraes acendeu o estopim para a atual escalada no confronto entre bolsonaristas e STF. Esse nível de beligerância não é bom para nenhuma das partes envolvidas — e certamente não é bom para o país. A subida no tom dos ataques ao Supremo pode custar caro a Bolsonaro. O risco é reforçar um ambiente hostil em uma Corte que tem muitos casos contra ele. Além dos dois recursos que buscam reverter suas condenações à inelegibilidade, estão no STF investigações com o potencial de colocar o ex-presidente atrás das grades. De longe, o de maior potencial de estrago é o da tentativa de golpe de Estado e os atos do 8 de Janeiro.

CERCO - Durov: dono do Telegram foi preso por não coibir ações criminosas
CERCO - Durov: dono do Telegram foi preso por não coibir ações criminosas (Chris Ratcliffe/Bloomberg/Getty Images)

No caso do STF, o bloqueio do X não gerou desgaste à Corte apenas entre a turma mais radical. Conforme mostrou pesquisa divulgada pela AtlasIntel, na quinta 5: 51,9% da população mostrou-se contra a medida. Nos últimos anos, o STF tem sido arrastado — ou se deixado arrastar — cada vez mais para a arena política. Num primeiro momento, diante das ameaças de ruptura democrática, a atuação firme da Corte evitou o pior (e merece reconhecimento por isso). Passado esse momento, esperava-se um distensionamento gradual. Agora, diante da expectativa do julgamento dos processos contra Bolsonaro e da atuação provocadora de personagens como Elon Musk, o cenário de conflito retornou com força. A luta para enquadrar o bilionário nas leis brasileiras gerou forte reação do bolsonarismo, que vai às ruas politizar o 7 de Setembro a pretexto de fazer um grito de liberdade contra o STF. Os desdobramentos disso têm potencial para gerar inúmeros conflitos institucionais, cujas consequências são imprevisíveis. Em meio a tantos graves problemas econômicos e dilemas sociais, mais do que nunca, o Brasil precisa de paz, e não dessa nova, desnecessária e conturbada guerra da independência.

Publicado em VEJA de 6 de setembro de 2024, edição nº 2909

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