Milícia do RJ busca domínio de cadeia do crime e investe em areais
Criminosos da Liga da Justiça ganham milhões de reais explorando atividade mineradora na Baixada Fluminense
Os negócios escusos das milícias fluminenses, que dominam extensos territórios do estado do Rio de Janeiro, não param de prosperar. O crime organizado sob comando de ex-policiais, que teve início da década de 70, com a cobrança de taxa de segurança de moradores de comunidades carentes, cresceu e diversificou suas atividades. Nos últimos anos, as autoridades identificaram tentativas de dominar todas as etapas das “cadeias de produção do crime”, como a construção de condomínios em áreas irregulares. Para garantir o suprimento de areia, insumo essencial nesse ramo, as quadrilhas começaram a explorar os mananciais das cidades de Seropédica e Itaguaí, na Baixada Fluminense, causando um desastre ambiental de enorme proporção.
VEJA teve acesso exclusivo a um documento do Ministério Público (MPRJ) segundo o qual 90% dos areais dos dois municípios estão sob influência da milícia. Uma parcela é controlada diretamente pelos paramilitares, por meio de “laranjas”, o resto está sujeito a cobranças de “pedágios” que variam de mil a três mil reais diariamente. O delegado titular da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente, Wellington Vieira, especialista na questão dos areais, explica que parte significativa dos areais são ilegais, ou seja, sequer tem permissão para funcionar. “A outra parte, ainda que tenha licença para praticar a atividade, causa complicações da ordem ambiental”, destaca.
De acordo com as investigações, todos os envolvidos respondem a Danilo Dias Lima, o Tandera, um dos chefes da Liga da Justiça, milícia que domina parte considerável da Baixada Fluminense. Fontes da Polícia Civil que preferiram não se identificar estimam, em uma conta conservadora, que a exploração dos cerca de cem areais da região gerem receitas da ordem de 300 000 reais mensais ao “Bonde do Tandera”.
A extração do minério costuma ser feita de maneira rudimentar, com uso de um motor velho de carro, acoplado à uma jangada, que desliza por pequenos lagos comuns na paisagem natural da baixada. As engrenagens bebem gasolina e cospem areia, retirada do fundo d’água já limpa e pronta para fazer concreto. Dali, o minério é depositado em enormes silos e passa a ser distribuído por dezenas de caminhões. Com o tempo, os pequenos lagos se tornam enormes, graças à escavação que vai atingindo níveis profundos dos lençóis freáticos.
Ação da ilegalidade na região, ao longo de seis anos, segundo levantamento da ACCAMTAS.
Impedido de frequentar as praias da zona sul, por ser procurado pela polícia, Tandera costuma aparecer no local, para passear de jetski para e banhar-se, ao lado de outros criminosos, na água cristalina desse “balneário”, segundo garantiram investigadores da Polícia Civil. Entre os muitos processos que o chefe do bando responde, está um de crime ambiental e lavagem de dinheiro, relacionado à extração de areia. O Disque Denúncia, que o aponta como um dos criminosos mais perigosos do estado, oferece mil reais para informações que levem à sua prisão.
Danilo Dias Lima, o Tandera
A extração ilegal de areia afeta diretamente o rio Guandu, responsável pelo abastecimento de água de nove milhões de pessoas, segundo a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). Relatório da Ação Contra os Crimes Ambientais, Minerais e Tráfico de Animais Silvestres (ACCAMTAS) mostra que os municípios de Seropédica e Itaguaí são responsáveis pelo fornecimento de 85% da areia da região do metropolitina do Rio de Janeiro, mas tem somente 21% dos direitos minerários para esse tipo de material.
A região hidrográfica, somente em 2022, segundo dados do Relatório de Anual de Lavra, produziu ilegalmente cerca de dois milhões e trezentos toneladas. Com o preço da areia custando cerca de 50 a 80 reais a tonelada, é possível estimar um faturamento de cerca de 200 milhões de reais. Parte desse valor estaria caindo direto nas contas dos milicianos, que usam de empresas de fachada para lavar o dinheiro.
Caminhão despeja areia na Baixada Fluminense: Crime conhecido há décadas
Embora pouco combatida, a atividade ilegal é conhecida pelas autoridades há décadas. Em 1978, o bispo da cidade de Itaguaí ja denunciava grupos de criminosos que exploravam a areia na região: “estão cometendo um verdadeiro atentado à ecologia, à vida humana e à lavoura. E o que é pior: os pequenos proprietários que lutavam contra os areeiros receberam ameaças de morte e tiveram que vender suas terras para eles ou mudar de cidade”, declarou a um jornal local. Quarenta e cinco anos depois, o problema só se agravou e parece longe de uma solução.