Reconhecida como uma das principais lideranças mundiais em defesa do meio ambiente, Marina Silva voltou do Fórum de Davos, na Suíça, com o desafio de reestruturar os órgãos de controle ambientais, como o Ibama e o ICMBio, para reprimir as incursões de grileiros nas terras indígenas. Neste sábado, 21, uma comitiva interministerial reforçada com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deparou-se com uma situação de descaso e negligência do poder público nos últimos anos em relação aos povos Yanomami, em Roraima. Os indígenas foram encontrados com sinais de desnutrição — especialmente as crianças — e diversas doenças. A ministra do Meio Ambiente aponta, em entrevista a VEJA, que o ex-presidente Jair Bolsonaro era conivente com a situação e que deve responder por crimes de lesa-pátria e contra os direitos humanos.
Marina diz que a situação dos povos indígenas é de calamidade pública e demanda prioridade por parte do governo, em um trabalho conjunto com outras pastas, como o Ministério da Defesa e o da Justiça. “O que nós temos ali é uma situação de emergência de cunho humanitário, moral e ético. Parte significativa do que está acontecendo com os Yanomami é em função do garimpo criminoso, que destrói os estoques naturais de alimentos para os indígenas”, afirma. “Os estoques deles são os rios, são as matas, é o modo de vida que foi se destruindo propositadamente pelo governo Bolsonaro, que praticou crime de lesa-pátria, com propósito genocida, de eliminação de determinados grupos. Essa situação é fruto de uma ação calculada, planejada e criminosa.”
A ministra afirma que desde a vitória de Lula sobre Bolsonaro nas urnas ela tem dialogado com as lideranças Davi Yanomami e Maial Paiakan Kayapó, que estão auxiliando o governo com a situação das terras indígenas. “Estamos no início das ações. Obviamente que começamos pelo que é emergencial, porque a fome não tem como esperar, a desnutrição não tem como esperar, há uma mortandade no meio do povo indígena e a ministra da Saúde, Nísia Trindade, está tomando todas as providências, junto com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, com a Joenia Wapichana, pela Funai, e o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias”, ressalta. “Não se trata de uma incursão sazonal. É algo que precisa ter presença perene do Estado. Vamos realizar um trabalho de forma estruturada nessas regiões.”
Há, segundo a ministra, defasagem nos números oficiais deixados pela gestão de Bolsonaro sobre crianças indígenas mortas por inanição. Estima-se que quase 100 crianças Yanomami entre 1 e 4 anos faleceram em 2022 devido, em sua maioria, a desnutrição, pneumonia e diarreia. “Os levantamentos ainda estão sendo feitos, usando dados oficiais, que no caso do governo Bolsonaro eram subestimados; e de organizações indígenas como a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil)”, explica. “O apagão de dados do último governo era mais uma estratégia genocida. Não se sabe a quantidade de indígenas que morreram por Covid, a quantidade de indígenas que tiveram problemas de desnutrição devido à contaminação por mercúrio… Agora, o mais importante, neste momento, é o socorro emergencial para aqueles que estão em uma situação extrema de fome, de desnutrição, de doenças, de malária, que são mazelas que se cruzam com a vida dessas pessoas e as eliminam.”
Curiosamente, um dos principais medicamentos para o tratamento da malária [doença que atinge os povos indígenas] é a cloroquina, comprada em níveis recordes pelo governo federal nos últimos anos sob a falsa prerrogativa de combate aos sintomas da Covid-19. “O Bolsonaro usou a falácia da cloroquina para matar muita gente, porque ela não protegeu ninguém da Covid, e deixou de usar a cloroquina para salvar quem poderia ser salvo com ela. Agora, a melhor forma de combater a malária dentro da floresta é não tendo o garimpo, não tendo remoção de terra, não tendo poços de água parada que viram criadouros de mosquitos da malária”, aponta a ministra.
Marina revela que o governo está se estruturando para montar um conjunto de ações de responsabilidade pelos atos contra Bolsonaro em esferas nacionais e internacionais. “Existem várias ações que já estão tramitando, tanto internamente, como em foros internacionais, e elas terão curso, terão continuidade. São várias ações já feitas em relação a essa prática genocida do governo Bolsonaro. E as responsabilizações terão de ser feitas”, afirma ela.