Luca Scarpelli Diniz, 27: o vestido enterrado no quintal
'Desejava dormir e acordar menino', diz o hoje publicitário, que guardou por um mês o e-mail que enviaria aos pais para contar que não queria ser mulher
O publicitário Luca Almeida Scarpelli Diniz, de 27 anos, que atualmente mora em Lisboa (Portugal), escondeu a sete chaves, por aproximadamente um mês, um e-mail em que contava aos pais que era um homem transexual e que daria início a sua transição de gênero por meio do tratamento hormonal e de cirurgias. Faltava-lhe coragem para contar ao mundo que ele era um homem e não uma mulher como todos pensavam, por isso, o e-mail ficou guardado esperando o momento certo em que ele assumiria a sua verdadeira vida.
Luca “virou a chave” e decidiu assumir sua condição depois de participar, em São Paulo, de uma caminhada pelos direitos das pessoas transexuais. “Quando eu vi aquelas pessoas, fiquei em choque. Era eu que estava sendo representado ali. Eu estava querendo enganar a quem? Não havia mais tempo a perder”, conta Luca, que voltou para Lisboa e enviou o e-mail aos pais. Nem mesmo os 7.482 quilômetros que separam o Brasil de Portugal foram suficientes para diminuir a ansiedade de Luca, que temia ser mal interpretado e, consequentemente, rejeitado pelos pais.
Em menos de trinta minutos, uma mensagem no celular promoveu uma sensação de alívio nunca antes imaginada: “Tá bom, meu filho, mas qual é a novidade?”, escreveu o pai de Luca, indicando que já sabia da condição do filho mesmo antes de ele ter tido coragem de se abrir. A mãe foi um pouco menos receptiva, pediu um tempo para processar a informação, mas também aceitou a transição de Luca com uma naturalidade que o jovem não imaginava. “Nunca estive tão feliz e completo na minha vida como estou hoje. Me sinto absolutamente realizado”, afirmou a VEJA.
Na infância, Luca tinha um irmão mais velho que era a sua inspiração. Com a mesada que recebia dos pais, os dois saíam para comprar figurinhas do Comandos em Ação. As bonecas que ganhava de presente ficavam jogadas no canto, pois Luca gostava mesmo era de andar de patinete, de bicicleta e de brincar de bola na rua. Das suas memórias mais engraçadas, lembra-se de ter enterrado um vestido no quintal de casa quando tinha 4 anos, pois não queria usá-lo. Foi dedurado pelo jardineiro, que encontrou a peça.
Mesmo se estranhando como menina, Luca teve uma infância considerada normal e não entendia muito bem o que acontecia. O conflito de identidade de gênero surgiu por volta dos 12 anos, quando ocorreu a primeira menstruação, os peitos cresceram e Luca entrou definitivamente na puberdade feminina. “Foi nessa época que eu percebi que era diferente do meu irmão. Foi a pior época da minha vida. Desejava dormir e acordar menino. Chorava direto”, conta.
Foi nessa época [da primeira menstruação] que eu percebi que era diferente do meu irmão. Foi a pior época da minha vida. Desejava dormir e acordar menino. Chorava direto
Aos 16, Luca se mudou de Belo Horizonte para São Paulo. Com o visual cada vez mais masculino, chegou a pensar que era uma mulher lésbica, mas, por mais que tentasse viver essa realidade, ainda assim não se identificava com o corpo feminino. Depois de muita pesquisa, descobriu o termo transexual, mas, mesmo assim, por muito tempo tentou se enquadrar no mundo feminino. “Eu era transfóbico comigo mesmo. Eu reprimi a identidade de gênero em mim, não sabia lidar com essa realidade”, relembra.
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Luca Scarpelli
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