Lava-Jato: aumenta a lista de integrantes com imagem arranhada
Suspeita de pagamento de propina ao procurador Januário Paludo é episódio mais recente de desgaste da força-tarefa
No auge de sua popularidade, os membros da força-tarefa chegaram a ser comparados aos agentes do FBI que prenderam Al Capone, história romanceada nas telas de cinema no clássico Os Intocáveis, de 1987. A própria turma de Curitiba alimentou o negócio, a começar pelo juiz responsável na época pelos trabalhos. A primeira delação premiada fechada na Lava-Jato do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, em setembro de 2014, foi comparada por Sergio Moro à cena final do filme de Brian De Palma na qual o xerife Eliot Ness (Kevin Costner) é alertado de que invadir um armazém ilegal de bebidas do mais célebre gângster americano seria entrar “em um mundo de problemas” e de que não haveria volta. Bebendo na mesma fonte cinematográfica, o chefe da força-tarefa de Curitiba, Deltan Dallagnol, posou para uma foto que emula outra cena do famoso longa, com os membros de sua equipe perfilados como guardiões da justiça. A situação mudou a partir de junho de 2019, quando começou a divulgação de várias reportagens baseadas no vazamento de conversas entre membros da força-tarefa em chats do Telegram feitas pelo site The Intercept Brasil em parceria com veículos como VEJA. O material mostrou procuradores e Moro em conversas comprometedoras. Na prática, o então juiz atuava de forma ilegal como chefe do MP, ordenando o ritmo das operações e pedindo a inclusão de provas, em vez de se colocar como figura neutra nos processos que iriam depois ao seu julgamento.
Em maior ou menor grau, os citados sofreram arranhões na imagem (veja o quadro acima). No episódio mais recente de desgaste da força-tarefa, um dos integrantes da equipe foi envolvido em uma suspeita grave de corrupção. De acordo com uma reportagem do portal de notícias UOL do último dia 30, mensagens obtidas pela PF no celular de Dario Messer citam o procurador Januário Paludo como beneficiário de propinas destinadas a blindar o doleiro, que foi preso em julho. “Esse Paludo é destinatário de pelo menos parte da propina paga pelos meninos todo mês”, diz Messer em uma das conversas. O procurador é um dos mais experientes e respeitados integrantes da Lava-Jato. Pelo menos quatro chats no Telegram divulgados pelo The Intercept tinham o nome de “Filhos de Januário”, em homenagem ao profissional. Paludo ficou em silêncio a respeito da acusação, mas a força-tarefa divulgou uma nota afirmando que ele não atuara em nenhuma ação contra Messer. No mesmo texto, o grupo diz ter “plena confiança” no procurador e o descreve como “pessoa com extenso rol de serviços prestados à sociedade”. O MPF iniciou uma investigação no STJ e a corregedoria do órgão abriu uma sindicância sobre o caso.
Quem aparece também hoje mal na foto é o chefe da força-tarefa. Nas mensagens vazadas pelo Intercept, Dallagnol brilha no papel de principal receptor das orientações de Moro, critica e cita impropriamente ministros do STF (“Aha uhu o Fachin é nosso”), diz ter conversado sobre um processo com um desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em “encontros fortuitos”, trata de palestras a empresas, uma delas investigada pela Lava-Jato, e manifesta pretensões políticas (seria “facilmente eleito” senador). A publicação das mensagens mudou o humor do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e criou clima para punições a Dallagnol. Há duas semanas, o CNMP aplicou uma advertência a ele por ter criticado ministros do STF em uma entrevista em agosto de 2018. O puxão de orelha pode abrir caminho para sanções mais pesadas. Dallagnol é alvo de 21 reclamações no órgão.
No STF, a maré lavajatista também virou. Após a divulgação das mensagens do Intercept, em meio a fortes críticas de juízes como Gilmar Mendes às condutas da força-tarefa reveladas nas mensagens do Telegram, a Corte anulou sentenças da Lava-Jato em razão da ordem da apresentação de alegações finais de delatores e não delatores em processos e derrubou as prisões após segunda instância, que são consideradas um pilar da operação e fortemente defendidas até hoje por Moro. O atual ministro da Justiça goza ainda de uma enorme popularidade e aparece bem cotado como possível presidenciável em 2022 (veja a reportagem), mas as conversas no Telegram deixaram bem mais distante seu sonho de um dia integrar o STF.
Apesar da série de más notícias, a força-tarefa foi prorrogada por mais um ano em agosto e apresentou 27 denúncias à Justiça em 2019, um recorde, das quais treze já viraram processos. Entre os denunciados estão o ex-governador Beto Richa (PSDB), os ex-senadores Romero Jucá (MDB-RR) e Edison Lobão (MDB-MA) e o ex-deputado Marco Maia (PT-RS). O número de fases da Lava-Jato neste ano, onze, só não foi maior do que em 2015 e 2016, o auge da operação. Entre os alvos estão o ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza, o empresário Walter Faria, dono da cervejaria Petrópolis, e o ex-executivo da Odebrecht Maurício Ferro.
Se os procuradores aceleraram, o substituto de Moro impôs um ritmo bem diferente de trabalho. Nove meses após assumir a Lava-Jato, o juiz Luiz Antônio Bonat não assinou nenhuma sentença, embora haja quinze processos prontos para conclusão. Moro levou seis meses até a primeira sentença da Lava-Jato e, dali em diante, finalizou uma ação a cada 33 dias. Bonat não gosta de aparecer na imprensa (procurado por VEJA, não quis conceder entrevista) e é o tipo de magistrado que só “fala” nos autos. Por pessoas próximas, é descrito como “cauteloso”, “discreto” e “prudente”. “Bonat está tomando conhecimento dos processos, e o que parece lentidão é um ritmo normal de trabalho. As sentenças devem vir a partir do próximo ano”, diz uma delas. A conclusão de ao menos quatro dos quinze processos prontos para sentença de Bonat pode ter levado ainda mais tempo porque, como há delatores entre os réus, o juiz abriu novos prazos para alegações finais aos não delatores, seguindo a decisão do STF. Ele adotou esse entendimento em uma ação que tem entre os réus o ex-presidente Lula e delatores da Odebrecht, referente à compra de um terreno ao Instituto Lula e de uma cobertura ao petista pela empreiteira. Confirmadas as primeiras e boas impressões a seu respeito, seria a união do melhor dos dois mundos: um juiz que não compromete o equilíbrio da balança da Justiça e procuradores que seguem firmes na luta contra a corrupção, sem desvios de conduta nem o deslumbramento dos que posam de Intocáveis.
Publicado em VEJA de 11 de dezembro de 2019, edição nº 2664
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