Jordhan Lessa, 50, guarda-civil: de ‘menina macho’ a homem
De uma família desestruturada, enfrentou preconceito na escola e violência das ruas até se tornar oficialmente homem há pouco mais de um mês









Até os 9 anos de idade, o guarda municipal Jordhan Lessa, hoje com 50 anos, não tinha noção de que não era biologicamente um menino. Considerado uma “menina macho”, brincava de carrinho de rolimã, jogava bola com as crianças do bairro, tinha o cabelo sempre curto e usava bermuda, camiseta, tênis. Para ele, essa “liberdade” foi possível porque ele tinha um irmão mais novo com necessidades especiais que tomava praticamente toda a atenção da mãe, que não tinha tempo de “pegar no pé” da filha que se vestia como menino.
“Eu era praticamente um menino. Eu imaginava que o meu pintinho ia nascer. Só percebi que isso não aconteceria quando entrei na puberdade”, conta Jordhan. Na escola, o preconceito era escancarado e ninguém queria se aproximar dele. “Nos trabalhos em grupo, muitas vezes tive de fazer dupla com a professora, pois os alunos se recusavam a dividir tarefas comigo”, lembra.
Por volta dos 12 anos, a vida de Jordhan virou de cabeça para baixo quando ele descobriu que era adotado, que seu pai biológico era quem ele conhecia por avô e sua mãe era, na verdade, quem ele chamava de irmã. Abalado com a descoberta, ele saiu de casa para morar nas ruas, largou os estudos, envolveu-se em pequenos delitos e chegou a ser internado na antiga Febem (atual Fundação Casa).
Aliado ao problema familiar, Jordhan não sabia lidar com a sua identidade de gênero. Nunca tinha ouvido falar em transexualidade e se incomodava demais em ter de viver em um corpo que ele não reconhecia como seu. “As pessoas me xingavam, me humilhavam, me chamavam de sapatão e eu não achava o meu lugar no mundo. Eu não era uma mulher lésbica. Então, o que eu era? Aquilo me deu um nó na cabeça”, conta o guarda municipal.
Aos 16 anos, Jordhan foi vítima de um estupro e humilhado sob gritos de “vou te mostrar o que faz um homem de verdade”. Bastou esse dia para ele engravidar. “Só descobri a gestação quando estava com 21 semanas. Mesmo sabendo que por lei poderia abortar, decidi levar a gravidez adiante e ter o meu filho. Criei ele sozinho. Hoje, ele está com 33 anos.”
Já adulto, Jordhan concluiu o ensino médio por meio de um curso supletivo. Com dificuldade para se inserir no mercado de trabalho, prestou um concurso para ser guarda municipal no Rio de Janeiro. “Eu via no serviço público minha tábua de salvação”, conta. Dentro da Guarda Municipal, Jordhan usava faixas apertadíssimas para espremer e esconder os seios. Queria ser reconhecido como homem.
As pessoas me xingavam, me humilhavam, me chamavam de sapatão e eu não achava o meu lugar no mundo. Eu não era uma mulher lésbica. Então, o que eu era?
Jordhan conquistou a estabilidade no emprego, mas não deixou de sofrer preconceito. “Em dezenove anos de guarda, nunca fui promovido. É como se eu tivesse acabado de passar no concurso. Vejo isso como preconceito institucional”, diz, acrescentando que as coisas só mudaram em 2014, depois que ele publicou um livro contando sua história.
Cansado de se esconder dentro de um corpo, Jordhan iniciou a transição de gênero aos 46 anos, por meio da terapia hormonal. Já sentiu diferenças em menos de três meses de uso. Em um ano, já se sentia completamente transformado. Em 2015, fez um empréstimo para pagar a cirurgia de retirada das mamas e a mamoplastia masculinizadora, para remodelação do tórax. Em abril deste ano, foi a vez de extirpar úteros, trompas e ovários. A mudança oficial do nome de registro aconteceu há pouco mais de um mês. Jordhan, hoje, é oficialmente homem diante da sociedade. “Antes da transição, eu passei por situações surreais. Hoje, sou um homem feliz, realizado e completo.”
Conheça a história de dez transexuais
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36 anos, pedagoga
Bruna Coutinho da Silva
52 anos, professora
Erick Barbi
38 anos, músico, empresário e publicitário
Gabriel Graça de Oliveira
51 anos, psiquiatra e professor
Jordhan Lessa
50 anos, guarda civil
Laura de Castro Teixeira
36 anos, delegada
Leona Jhovs
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Luca Scarpelli
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