Investigado por uso indevido de dinheiro público, ministro vê fogo amigo
Chefe da Secretaria-Geral da Presidência conta nos bastidores que denúncias contra ele teriam partido dos próprios petistas
Antes de assumir o cargo de ministro-chefe da Secretaria- Geral da Presidência da República, o petista Márcio Macêdo coordenou o comitê financeiro da campanha de Lula, em 2022, função que carregava um estigma. Três tesoureiros petistas foram presos por corrupção nas últimas duas décadas. Até onde se sabe, Macêdo saiu-se muito bem. O Tribunal Superior Eleitoral atestou que ele geriu corretamente um caixa que movimentou mais de 135 milhões de reais. Depois disso, além de ser recompensado com um cargo extremamente importante, Macêdo ganhou o privilégio de integrar o chamado “núcleo duro” do governo, a restrita equipe de auxiliares que participam das principais decisões no Palácio do Planalto. Os laços com o presidente também se solidificaram nesse período. O ministro foi o único auxiliar convidado a passar o réveillon com a família Lula na base naval da Restinga de Marambaia, no Rio de Janeiro. Esse prestígio, porém, está ameaçado.
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União pediu abertura de uma investigação que, no limite, pode levar o ministro a ser enquadrado por improbidade administrativa. Ele teria usado dinheiro público para bancar a viagem de três assessores para Aracaju, onde acontecia, no fim do ano passado, uma tradicional festa de Carnaval fora de época. Macêdo é pré-candidato do PT à prefeitura do município. Um dos funcionários contemplados com passagens aéreas e diárias era fotógrafo da Presidência da República que, durante três dias, acompanhou o ministro na folia e captou imagens que foram postadas em redes sociais. Instado a dar explicações, o ministro garantiu que não sabia de nada, atribuiu o caso a um erro administrativo, anunciou que os funcionários devolveriam o dinheiro e abriu uma sindicância para apurar o caso. Reservadamente, porém, ele apresentou uma versão mais intrigante.
Macêdo disse a um outro ministro ter certeza de que foi vítima de fogo amigo. O ardil, segundo ele, teria sido armado pelos próprios petistas com o intuito de desgastá-lo. A incentivadora da trama seria ninguém menos que a presidente do partido, a deputada Gleisi Hoffmann. Na conversa com o interlocutor, o ministro reafirmou que não autorizou a viagem dos assessores e que pagou do próprio bolso as suas despesas. Não haveria, portanto, razão para tanto barulho. Ele responsabiliza duas ex-assessoras pelo caso, ambas exoneradas recentemente. Uma delas é a ex-presidente da Caixa Maria Fernanda Ramos Coelho, que, de acordo com o ministro, espalhou a versão de que ela teria deixado o cargo por se recusar a endossar a viagem dos servidores. A outra, a advogada Tânia Maria de Oliveira, que já trabalhou no gabinete de Gleisi no Senado, deixou a secretaria em novembro, dias depois da ida do ministro ao Carnaval. Não teriam sido meras coincidências. Essa teia de intrigas teria como pano de fundo a disputa pelo lugar do próprio Márcio Macêdo.
O PT, que comanda dez dos 38 ministérios, quer mais espaço no governo. Gleisi, preterida de um cargo na Esplanada ainda na primeira formação ministerial, nunca escondeu seu projeto de integrar a equipe de Lula. Existiria um acordo tácito para que ela assumisse a Secretaria-Geral quando Macêdo deixasse o posto para se dedicar à campanha em Aracaju. O ministro, porém, não tem aparecido bem nas primeiras pesquisas eleitorais, o que tem levado o PT de Sergipe a considerar a possibilidade de formar uma aliança para apoiar um candidato de outro partido. Nessa configuração, o ministro continuaria chefiando a pasta, travando as pretensões da colega petista. As denúncias de mau uso do dinheiro público, segundo Macêdo, teriam o objetivo de constrangê-lo e dar ao presidente argumentos para substituí-lo na reforma ministerial que deve acontecer nos próximos meses.
Se foi isso mesmo que aconteceu, o plano foi bem-sucedido. A partir da revelação de que o ministro, dolosamente ou não, foi o responsável por autorizar a expedição dos assessores a Aracaju, o procurador do Ministério Público no TCU, Lucas Furtado, pediu que o caso fosse investigado por improbidade administrativa. “A compra de passagens pelo ministro Márcio Macêdo para ‘curtir’, com seus apaniguados, as folias de Carnaval fora de época no seu reduto eleitoral atenta contra a moralidade administrativa e constitui evidente desvio de finalidade no uso de recursos públicos”, disse o procurador. A oposição anunciou que vai convocar Macêdo a se explicar na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara. O ministro será notificado para apresentar defesa antes de o corpo técnico do tribunal decidir se o gasto de cerca de 18 500 reais em diárias e passagens do trio de funcionários deve ou não gerar novas reprimendas. Os valores já foram devolvidos, mas o desgaste político foi inevitável.
Procurados para comentar o caso, o ministro e a presidente do PT divulgaram uma nota conjunta. Segundo eles, não houve qualquer desentendimento entre os dois. “A deputada já expressou e reitera sua solidariedade ao ministro no episódio da viagem a Aracaju, destacando que Márcio Macêdo esclareceu que viajou num fim de semana, pagou as próprias passagens, não recebeu diárias e tomou medidas para ressarcir despesas com os servidores”, diz o comunicado. Sobre o seu suposto interesse em assumir o ministério, Gleisi diz que seu mandato no PT vai até 2025 e ressalta a lealdade e apoio que sempre dedicou ao ministro. Por fim, a nota ressalta que ambos repudiam as “versões mentirosas e maliciosas” que, “sob covarde anonimato”, tentam criar embaraços entre a deputada e o ministro. Resumindo, meras intrigas. Nada além disso.
Publicado em VEJA de 19 de janeiro de 2024, edição nº 2876