Intrigas na direita fragilizam projeto de poder da oposição para 2026
Brigas e interesses muito difíceis de conciliar provocam disputas entre os candidatos a herdeiro eleitoral de Bolsonaro

Diferentes em muitos aspectos, Lula e Jair Bolsonaro se aproximam quando o assunto é a própria sobrevivência política. Centralizadores, pouco tolerantes a contestações e donos do destino de seus partidos, eles se esforçam diariamente para permanecer no centro do poder. À beira de completar 80 anos, dos quais mais da metade como a grande estrela do PT, o presidente jamais investiu na renovação interna e segue como a única opção da esquerda para disputar as eleições de 2026. Já o antecessor está preso em regime domiciliar, inelegível, condenado a uma longa temporada na cadeia e, a despeito disso tudo, ainda resiste a desistir da corrida eleitoral. Para alguns aliados, essa insistência é uma forma de o capitão tentar manter o controle sobre a direita. Como dificilmente será reabilitado para estar nas urnas no ano que vem, antes de indicar seu sucessor, Bolsonaro quer receber do herdeiro uma série de garantias — entre elas, a promessa de um indulto. Conversas nesse sentido já estão em curso. O problema é que, enquanto elas se desenrolam, sem uma conclusão à vista, disputas, ambições pessoais e choques de interesses dividem e enfraquecem o projeto de poder da oposição.

Hoje, pelo menos quatro governadores são cotados para disputar a Presidência na raia da direita: Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, Ratinho Jr. (PSD), do Paraná, e Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais. Dentro do PL, a ordem é repetir que há apenas um candidato: Jair Bolsonaro. A declaração faz parte de uma estratégia de defesa do capitão. Segundo aliados, admitir um sucessor desde já significaria chancelar a condenação a mais de 27 anos de cadeia imposta pelo STF ao ex-presidente. Ainda cabem recursos que, apesar de dificilmente reverterem o veredicto, ajudam a prolongar o caso. Enquanto o processo não é encerrado e a prisão, decretada, a determinação é lutar. Não tem dado certo. A proposta de anistia aos golpistas empacou e encontra resistência dos principais caciques do Congresso, que aceitam, no máximo, reduzir a pena do ex-capitão e articular algum acordo para que ele permaneça detido em regime domiciliar. Estima-se que até o fim do ano estejam encerradas tanto a ação penal quanto as articulações pela anistia, e somente depois disso Bolsonaro deve anunciar o seu herdeiro eleitoral.
Esse cronograma tem provocado aflição na direita, já que o tempo de Bolsonaro não é o mesmo daqueles que querem colocar a campanha na rua. Políticos do Centrão e os próprios pré-candidatos estão em intensas tratativas e têm pressa para definir quem enfrentará Lula em 2026. Em reação, os familiares de Bolsonaro passaram a cobrar que os aliados esqueçam a política e façam gestos de solidariedade ao ex-presidente. Sobram intrigas e provocações. O vereador Carlos Bolsonaro, o Zero Dois, chegou a dizer, sem citar nomes, que governadores se comportam como “ratos” e “sacrificam o povo pelo poder” ao se manterem em silêncio durante o julgamento da trama golpista. A vigilância sobre qualquer um que tente virar a página não poupa ninguém. Recentemente, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro deu entrevista a VEJA dizendo que pode ser candidata “se essa for a vontade de Deus” e falou ao jornal britânico The Telegraph que vai se erguer “como uma leoa” em defesa dos valores conservadores. Criticada nos bastidores, recuou dias depois, dizendo que é candidata apenas a primeira-dama. Já Eduardo Bolsonaro, que cumpre um autoexílio nos Estados Unidos e não desiste da campanha a favor de sanções contra os ministros do STF e outras autoridades, repete que pode concorrer ao Planalto, com ou sem o aval do pai.

O comportamento do Zero Três tem irritado figurões da política, que ironizam uma campanha “virtual” e duvidam que ele, já indiciado pela PF por coação da Justiça, conseguiria um registro de candidatura por meio de uma procuração. O recado foi dado pelo presidente do PP, senador Ciro Nogueira, em uma rede social. “Já está passando de todos os limites a falta de bom senso na direita, digo aqui a centro direita, a própria direita e seu extremo. Ou nos unificamos ou vamos jogar fora uma eleição ganha outra vez. Por mais que tenhamos divergências, não podemos ser cabo eleitoral de Lula, do PT e do PSOL. Não podemos fazer isso com o Brasil”, escreveu o parlamentar. Nos bastidores, afirma-se que, desde agosto, quando teve a prisão domiciliar decretada, Bolsonaro sacramentou um acordo para que Tarcísio de Freitas seja anunciado como o seu representante na disputa. O acerto só não teria sido anunciado para preservar os dois e evitar uma exposição antecipada do governador paulista, que viu não apenas adversários políticos começarem a se mobilizar para ocupar o Palácio dos Bandeirantes como sua rejeição aumentar após vestir o figurino de candidato e, principalmente, de bolsonarista raiz.

No mês passado, além de prometer um indulto a Bolsonaro caso seja eleito presidente, Tarcísio de Freitas abandonou o verniz de político moderado durante ato do 7 de Setembro e partiu para a guerra contra o STF, atacando a “tirania” do ministro Alexandre de Moraes. Na segunda 29, dia em que Brasília tinha como principal agenda a posse do ministro Edson Fachin como presidente da Suprema Corte, o governador desembarcou na capital apenas para conversar com o ex-chefe. Após o encontro, Tarcísio disse que tinha ido visitar um “amigo” que está passando por um momento difícil e voltou a afirmar que será candidato à reeleição, não à Presidência. Coube ao filho Flávio Bolsonaro, o Zero Um, erguer a bandeira da paz. “O recado que eu quero dar para todo mundo, para que não haja dúvidas, é que independentemente de como as coisas vão transcorrer daqui para frente, eu, Tarcísio, nós, os partidos de centro-direita, vamos estar juntos de qualquer forma em 2026”, afirmou. Faltou combinar com os irmãos, que desconfiam do governador.

Apesar dos esforços para uma saída negociada entre as partes, caciques partidários afirmam que a parceria com o ex-presidente tem um teto e que se a família não aceitar o governador paulista, visto hoje como o candidato com mais chances de ganhar a eleição, ninguém vai mergulhar num projeto político por “vaidade” e “só para manter espólio” de Bolsonaro. Nesse cenário, se houver a insistência de uma candidatura de Eduardo, por exemplo, o Centrão ameaça pular do barco e abraçar a campanha de Ratinho Jr. De acordo com pesquisa Genial/Quaest divulgada neste mês, o governador paranaense tem 32% das intenções de voto num eventual segundo turno com Lula, que marcou 44%. Já Tarcísio registra 35%, ante 43% do presidente. Fugindo do fogo cruzado e com o cuidado de não demonstrar muita sede em direção ao pote, Ratinho Jr. tem acelerado seus encontros com representantes da Faria Lima, articula a contratação de um marqueteiro para a campanha e defende o fim da polarização política. “Enquanto a velha política briga, a gente trabalha. O povo me paga para trabalhar, não para brigar”, escreveu ele na última semana. No mesmo dia, o pai do governador, o apresentador Ratinho, disparou telefonemas para aliados de Bolsonaro para medir a temperatura das articulações em Brasília e questionar um prazo para uma definição da chapa. Ele ouviu, como resposta, que em dezembro o cenário deverá estar mais definido. Famoso por seus programas populares na televisão, Ratinho pai é visto como um importante cabo eleitoral para ajudar o filho a se tornar mais conhecido pelo Brasil e para rivalizar com Lula principalmente no Nordeste do país.
Aliados de Bolsonaro minimizam o bate-cabeça e dizem ter certeza de que nenhuma candidatura da direita terá sucesso sem o apoio do ex-presidente. Para embasar essa convicção, eles mencionam uma pesquisa interna feita exclusivamente para avaliar o potencial de transferência de votos de Jair Bolsonaro a um nome indicado por ele. No levantamento, eles testaram um parlamentar do PL que aparecia com 8% das intenções de voto quando era incluído entre os demais postulantes. No entanto, quando o mesmo nome foi apontado como o candidato do ex-presidente, ele subiu 35 pontos na avaliação. “O Bolsonaro transfere votos até para um poste”, resume um político que teve acesso aos dados. Numa eleição que será movida pela rejeição, no entanto, o escolhido, inevitavelmente, também herdará ao menos uma parte da repulsa ao ex-capitão. Esse flanco já está sendo explorado pelos governistas.

Sabendo que o governador de São Paulo é o favorito de líderes do Centrão e representantes da elite econômica, o presidente e seus articuladores elegeram Tarcísio como o adversário a ser combatido. O governador foi tachado de “candidato do golpe” em publicações feitas pelo PT e chegou a ser alvo de uma ação no STF por uma suposta obstrução de Justiça após mergulhar nas articulações em prol da anistia a Bolsonaro e aos condenados pelos ataques do 8 de Janeiro. A legenda também tem feito campanha nas redes sociais para questionar as privatizações e os problemas no fornecimento de luz e de água do governo paulista. “Enquanto isso, o governador de São Paulo prefere cuidar mais dos interesses do chefe Bolsonaro do que resolver os problemas básicos do povo paulista. Falta de luz, falta de água, falta de vergonha. Tarcísio é o retrato do descaso”, afirma o PT em vídeo publicado na última semana.

Em meio à divisão na direita, Lula conteve a maré negativa, conseguiu melhorar a aprovação de seu governo, embora a reprovação a sua gestão siga alta, e dá demonstrações cada vez mais claras de que vai tentar a reeleição. Se antes condicionava o seu quarto mandato à saúde, agora ele tenta passar a imagem de que nunca teve tanto vigor. No último domingo, o petista vestiu a roupa de atleta e participou de uma caminhada em Brasília arriscando até a dar algumas corridas, deixando seus ministros sempre para trás. A raia está livre para o presidente, que avança despreocupado enquanto a oposição continua tropeçando em intrigas públicas, projetos pessoais e interesses muito difíceis de conciliar.
Publicado em VEJA de 3 de outubro de 2025, edição nº 2964