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Impasse judicial mantém réus da ‘primeira’ máfia da merenda impunes

Cartel pagou 400 milhões de reais em propina em dez anos de atuação. Quatro anos após a denúncia, não houve julgamento. E um dos acusados ainda mantém polpudos contratos com a Petrobras e as gestões Alckmin e Haddad

Por Da Redação 27 fev 2016, 16h22

Há quatro anos, quando se iniciavam as tenebrosas transações para fornecimento de merenda escolar entre a Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf) e funcionários públicos, 35 pessoas denunciadas pelo Ministério Público de São Paulo passaram ao banco dos réus por envolvimento em outro escândalo de corrupção que comeu do mesmo prato. Por cerca de uma década, sete empresas se juntaram para assaltar o abastecimento de comida a estudantes em escolas de 57 cidades de São Paulo e de outros Estados, como Paraná, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Enquanto a Operação Alba Branca, deflagrada pela Polícia Civil em janeiro, avança sobre a Coaf e os envolvidos no superfaturamento de contratos de merenda em pelo menos 22 municípios paulistas, entretanto, o caso mais antigo repousa impune em um limbo judicial.

Embora cerca de 400 milhões de reais tenham sido pagos em propina nos dez anos de comilança do cartel, os envolvidos na máfia da merenda desbaratada em 2012 seguem em liberdade e longe do tribunal graças a um conflito de competência entre a Justiça Federal e a paulista. “Nem a Justiça Federal nem a Justiça estadual se entendem competentes para apreciar o caso”, diz o promotor Arthur Lemos Júnior, um dos responsáveis pela investigação no Grupo Especial de Repressão aos Delitos Econômicos (GEDEC), do Ministério Público paulista.

O desacordo teve início quando a Justiça Federal remeteu à de São Paulo o inquérito policial que investigava as fraudes. Lemos denunciou, então, os 35 envolvidos, e o juiz Lauro Mens de Mello, da 10ª Vara Criminal da Barra Funda, aceitou as denúncias em abril de 2012. O magistrado chegou a notificar os réus a respeito da decisão.

O caminho parecia pavimentado em direção a punições aos ladrões de merenda, mas acabou desandando quando Mello deixou o caso. A juíza Maria Cecília Leone, que o substituiu, suscitou o conflito de competência por entender que, como os desvios atingiram verba da União destinada aos municípios, o julgamento do caso caberia à Justiça Federal. “Agora é necessário aguardar a solução do conflito pelo STJ, que vai decidir qual é o tribunal competente”, afirma Lemos.

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Conforme a denúncia do Ministério Público aceita pelo magistrado, o cartel direcionava editais de licitação para fornecimento de merenda sob a liderança de Eloízo Afonso Gomes Durães, dono do Grupo SP Alimentação, e Valdomiro Coan, dono da Geraldo J. Coan & Cia. Segundo o MP-SP, Durães, que chegou a ser preso em 2010, “foi eleito pelo cartel como tesoureiro da quadrilha de empresários, responsável pela arrecadação do dinheiro”. Além das empresas dele e de Coan, integraram o esquema Sistal Alimentação de Coletividade, EB Alimentação e Serviços, De Nadai Alimentação, Convida Alimentação e Nutriplus Alimentação e Tecnologia.

Quatro anos separaram o início das investigações e as denúncias do Ministério Público paulista. A apuração deslanchou em 2010, depois de um acordo de delação premiada firmado por Genivaldo Marques dos Santos, sócio entre 2002 e 2008 da Verdurama Comércio Atacadista de Alimentos, uma das subsidiárias do grupo SP Alimentos. Santos relatou ao Ministério Público que Durães procurava prefeitos e os candidatos a prefeito mais bem colocados em pesquisas eleitorais com uma proposta objetiva. O empresário oferecia doações em dinheiro ao caixa dois das campanhas e, em troca da ajuda, cobrava a adoção da terceirização da merenda nos municípios.

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Ainda que os casos de corrupção de 2012 e 2016 tenham saqueado o mesmo alvo, a merenda escolar, e guardem semelhanças como o emprego da delação premiada, o promotor Arthur Lemos vê poucas correspondências entre os crimes. “A sofisticação do caso da merenda terceirizada parece maior, pelas tabelas do cartel, o alcance nacional e pagamentos de doações eleitorais a candidatos a prefeito”, compara o procurador, que ressalta não conhecer o processo que investiga negociatas entre a Coaf e integrantes do governo de Geraldo Alckmin (PSDB).

Além das visitas de Eloízo Durães às prefeituras, o esquema investigado por Lemos também contava com lobistas, que tinham anuência de prefeitos, secretários e funcionários públicos corruptos para incluir cláusulas restritivas de concorrência nas licitações municipais. Era um jogo de cartas marcadas, regido unicamente pelo mantra de Durães: “Deve-se respeitar o quintal do vizinho”. De acordo com o MP-SP, o fornecimento na região metropolitana de São Paulo era dominado pelo Grupo SP Alimentação, enquanto a região metropolitana de Campinas (SP) era atendida somente pela Nutriplus e na região de Sorocaba (SP) predominava a Geraldo J. Coan.

O acerto que barrava a entrada de novos concorrentes nos certames aumentou em até 30% os custos às prefeituras, segundo o Ministério Público. Enquanto isso, inspeções do Conselho de Alimentação Escolar (CAE) encontravam em cozinhas e despensas de escolas estaduais produtos vencidos, insumos estragados e peso dos alimentos inferior ao previsto nos contratos.

Em escolas paulistanas, chegou-se ao ponto em que merendeiras recebiam a recomendação de servirem às crianças apenas metades de maçãs. Na cidade de São Paulo, o esquema atravessou as gestões de Marta Suplicy (2001-2004), que implantou a terceirização da merenda escolar, José Serra (2005-2006) e Gilberto Kassab (2006-2012). Para o promotor Silvio Marques, um dos investigadores do cartel na capital paulista, “a merenda passou a ser fonte de propina quando deixou de ser fornecida diretamente pelas prefeituras. Posso afirmar que a merenda terceirizada é um absurdo”.

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O único envolvido no núcleo político a ser denunciado e se tornar réu foi o ex-secretário de Abastecimento da prefeitura de São Paulo na gestão de José Serra, Januário Montone. Conforme a denúncia do Ministério Público paulista, ele teria recebido 600.000 reais do esquema de corrupção. Além de Montone, Eloízo Durães, Valdomiro Coan e Genivaldo dos Santos, estão no banco dos réus 22 pessoas ligadas às empresas, entre donos e funcionários, quatro testas-de-ferro, dois operadores, dois advogados e um lobista.

De acordo com o promotor Arthur Lemos, as empresas envolvidas no caso foram proibidas de voltar a participar de licitações em alguns municípios. Em Jandira, na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, Durães chegou a ser proibido por uma medida cautelar de bater ponto na SP Alimentações.

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Prosperidade pós-escândalo – Nem todos os donos de empresas investigadas, contudo, passaram pelo mesmo dissabor. Os irmãos Sérgio De Nadai e Fabrício Arouca De Nadai, donos da De Nadai Alimentação e da Convida Alimentação, seguem prestigiados com o poder público e experimentam anos de vacas gordas depois de virarem réus.

Entre 2012, quando as denúncias contra ambos foram aceitas pela Justiça paulista, e novembro de 2016, a Petrobras terá desembolsado 612,9 milhões de reais nos cofres da Convida Alimentação Ltda, dos quais 297,6 milhões só de aditivos, por outra valiosa especialidade dos empresários: serviços de hotelaria marítima em plataformas de petróleo. Dos seis contratos com a estatal firmados de 2012 para cá, um foi com dispensa de licitação e cinco por convite, estes todos ainda ativos.

Os funcionários da Secretaria municipal de Saúde de São Paulo e o Tribunal de Contas municipal (TCM-SP) também já degustaram a merenda oferecida pelos irmãos. O TCM-SP pagou à Convida Refeições, também dos De Nadai, 17,7 milhões de reais entre 2012 e 2015, em um contrato com três aditivos. Já a Saúde paulistana desembolsou 1,6 milhão de reais pelos serviços da empresa entre julho de 2014 e janeiro de 2015, depois de outros três aditivos.

Atualmente, a Convida Refeições Ltda. possui dois contratos para fornecimento de merenda escolar com a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo que somam 7,3 milhões de reais. A empresa também foi contratada pela Secretaria estadual de Saúde, por 11,4 milhões de reais, para cuidar da alimentação na Fundação para o Remédio Popular (FURP), o laboratório farmacêutico oficial do Governo do Estado de São Paulo.

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Por outros quatro contratos, que vigoraram entre 2013 e 2015, as empresas de Sérgio e Fabrício De Nadai embolsaram 40,9 milhões de reais das secretarias paulistas de Educação e de Planejamento e Gestão.

A Secretaria de Saúde estadual de São Paulo e a FURP afirmam que o contrato com a Convida Refeições foi firmado após licitação pública e o serviço de nutrição dos empregados do laboratório atende às determinações do Caderno Técnico de Serviços Terceirizados (CADTERC) do governo paulista. A Secretaria de Educação paulista argumenta que as contratações seguem os trâmites exigidos e “a empresa citada não possui impedimento legal para participar destas licitações”.

Procurados, os outros clientes públicos dos De Nadai não foram localizados até a publicação da reportagem.

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